É de se perguntar se, na intensidade com que expõe sua situação central, “Destinos À Deriva” –ou “Nowhere”, seu título original –não extrapola sua proposta, resultando num suplício ao expectador na mesma medida em que tão somente registra o suplício interminável de sua protagonista.
No que aparenta ser uma Espanha assolada por
mazelas sociais tornadas, na ficção, ainda mais contundentes que na realidade,
a jovem Mia (a ótima Anna Castillo) tenta partir, ao lado do marido, para qualquer
outro lugar que seja: O regime totalitário transforma o simples ato de ser
cidadão numa ameaça, as chamadas “medidas de escassez” do governo lhes levaram
a filha pequena que tinham e, estando Mia grávida, o casal busca uma fuga
ilegal do país, enfiando-se junto de dezenas de outros refugiados num contêiner
de um navio cargueiro.
Logo, o roteiro escrito à dez mãos (!) por
Ernest Riera, Miguel Ruz, Indiana Lista, Seanne Winslow e Teresa Rosendoy, e a
direção de Albert Pintó irão enfileirar infortúnio atrás de infortúnio a fim de
colocar a prova a capacidade e a vontade para sobreviver da incauta personagem
principal: Já ali, no início, ela e Nico (Tamar Novas, de “Abraços Partidos”),
seu marido, são separados um do outro –ele vai parar num outro contêiner
próximo –e, na sequência, durante uma tensa e violenta revista, todos os
passageiros clandestinos (inclusive, outras mulheres grávidas e crianças!) são
fuzilados por agentes do governo; Mia escapa quase que por milagre: Tinha
escalado um dos caixotes de madeira do contêiner, onde acabou escondida.
Única sobrevivente, portanto, a estar dentro do
contêiner quando este é colocado à bordo da embarcação, Mia testemunha, através
dos buracos de bala, único acesso que ela tem para espiar o mundo lá fora, o
navio enfrentar águas turbulentas em alto-mar e, consequentemente, perder muito
de sua carga –inclusive, o próprio contêiner onde, ela própria, se encontra,
sozinha e confinada!
Está aí, pois, estabelecida a circunstância com
a qual o tenso e sofrido filme de Albert Pintó irá exaurir o expectador até o
seu término: Uma situação-limite, para além das penúrias de obras como “Até O
Fim”, “Mar Aberto” ou “Águas Rasas” na qual não apenas a condição de náufrago,
propriamente dita é submetida à protagonista (e todas as privações severas que
ela, não tenha dúvidas, irá experimentar), mas também, a condição ainda mais
periclitante, na qual está grávida à espera de uma criança, e depois (após o
parto, numa cena assombrosa em meio à uma tempestade) ainda se ver diante da situação
de ter, junto de si, uma criança recém-nascida a qual precisará, alimentar e
zelar pela vida, como a si própria.
Além disso tudo, o roteiro de “Nowhere”, de um
ponto em diante, parece tão claramente disposto a elaborar agonias sucessivas à
sua personagem principal que uma certa sensação de sadismo da parte dos
realizadores não deixa de transparecer ao expectador –tudo acaba sendo sofrido
demais, dilacerante demais, e (o que é pior) organizado com meticulosidade
demais, para aceitar que tantas infelicidades, em tal profusão e com tal
exatidão, se sucederam com uma única e desafortunada pessoa.
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