Filmado com a mais modesta das câmeras digitais portáteis, o pequeno filme dirigido por Chris Kentis oferece ao expectador nada mais que a imagem em sua resolução periclitante. Nada de alegorias ou reflexões. Nada de truques cênicos ou simbologias. Um conto de aflição e desamparo onde o beco sem saída é uma situação explorada em toda sua desolação inevitável.
O início afirma basear-se em fatos reais, mas a
ponderação em torno do que se vê logo nos leva a perceber que essa afirmação é
escorregadia: A situação de perigo em si é um tanto quanto genérica –muitas são
as pessoas extraviadas em alto-mar –e ao focar mais de 90% de sua narrativa no
casal em apuros, o filme de Kentis especula muitas das circunstâncias
dramáticas que vemos em cena, uma vez que não há como apurar registros de como
deu-se o sofrimento dessas pessoas estando onde estavam.
A despeito desse questionamento, o filme eleva
o perigo genérico de seus protagonista para além de uma mera estatística
–aproximar-se deles, significa conferir relevo, identidade e empatia ao seu
drama –e ao moldar com isso um filme todo espartano, amparado em restrições
tremendas de produção, debruçado na atuação de dois únicos intérpretes no que
pode ser considerado um único cenário, Kentis usa de suas limitações para fazer
um trabalho árduo, árido e objetivo.
A câmera que registra o filme aparenta ser num
estilo found-footage (embora não seja), tão em voga naquela época, em meados de
2004, tendo anos antes “A Bruxa de Blair” feito enorme sucesso e difundido, sobretudo
em obras de terror, essa nova linguagem. Porém, o diretor Chris Kentis apenas
registra os personagens com o máximo possível de espontaneidade a que esse
registro solto proporciona. Para sua sorte, os protagonistas são muito bons:
Blanchard Ryan é Susan, e Daniel Travis é Daniel. Ambos são casados e, no
momento em que os vemos, estressados um com o outro. Eles não brigam, mas não
deixam de perceber animosidades que, em algum momento, haverão de minar a
relação. Cientes disso, resolvem passar férias juntos, e com isso vão a um
resort tropical no Caribe, onde agendam uma excursão em grupo ao alto-mar.
Durante o mergulho, um mal-entendido entre os
funcionários do barco os leva a errar a contagem de passageiros, levando-os a
esquecer Susan e Daniel enquanto estão no fundo do mar –em parte também por
conta da indisposição bem norte-americana do casal em interagir com as outras
pessoas, fazendo-os passar despercebidos.
Está então estabelecida a situação básica que
irá perdurar por todo o filme: Susan e Daniel foram largados em pleno oceano,
com equipamentos de mergulho que durarão poucas horas, sem absolutamente nenhuma
alternativa exceto conter o pânico que ameaça tragá-los a medida que percebem
estarem sendo visados por cardumes de tubarões.
A grande sacada do filme de Kentis é extrair
sua força justamente de sua simplicidade: “Mar Aberto” não tem personagens
coadjuvantes aos quais se presta tanta atenção quanto seus protagonistas, e
mesmo deles sabemos apenas o básico; que são um casal e que estão numa encrenca
dos diabos. Sequer muitas alternativas a narrativa se permite oferecer aos
personagens principais e ao expectador: O bom entendedor pode perfeitamente
presumir o desfecho amargo que ocorrerá após os aflitivos oitenta minutos de
duração.
A competência de “Mar Aberto” está na forma com
que esmiuça as percepções a pairar sobre sua situação básica: Urbanizados,
modernizados e definidos por suas posturas profissionais, Susan e Daniel são
arremessados num cenário natural no qual não demoram a descobrirem-se indefesos
–teimoso, Daniel demora um pouco mais a encontrar a própria vulnerabilidade,
mascarando-a aos olhos da esposa com conhecimentos fajutos acerca de pessoas
perdidas em alto-mar que captou de algum documentário que assistiu.
Quando as máscaras de civilidade caem, a dupla
começa a experimentar os estágios de seu caminho rumo à aceitação do
irremediável: Tentam elaborar planos insensatos; brigam ao delegarem culpas
redundantes; avistam barcos ao longe com os quais não podem contar; testemunham
o avanço de predadores eventuais (tubarões) sem nada poder fazer; veem
tempestades chegando e se dissipando; e acompanham o transcorrer das horas
enquanto o frio, o cansaço e o desespero irreversivelmente se aproximam.
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