Jean-Pierre Léaud, o rosto da nouvelle vague francesa, é também aqui, nesta obra de Jean Eustache, o rosto das inquietações nutridas pelo diretor referentes às relações humanas.
Seu personagem, Alexandre, é um jovem
parisiense, incerto quanto a sua vida amorosa, assolado por um vazio de
classe-baixa e perplexo com a descoberta da própria mediocridade. Ele tem uma
relação um tanto liberal com Marie (a sensacional Bernadette Lafont),
entretanto, na hipocrisia que a narrativa de Eustache flagra talvez até sem
querer, Alexandre defende essa postura somente enquanto ela o beneficia e
ressente Marie; a partir do momento em que Marie almeja, também ela, obter
encontros sexuais casuais, Alexandre acha ruim.
Prova de que não se importa em apontar as predisposições
machistas em seu protagonista, é que o diretor Eustache foca todo esse filme de
quase quatro horas de duração em outras questões –o que faz dele, uma espécie
de retrato involuntário das tendências comportamentais reprováveis de seu
tempo: A narrativa enxerga com relativo fascínio e até palpitante empolgação
–não obstante sua ênfase no drama humano –o fato de que este será um triângulo
amoroso composto por duas lindas mulheres e um homem felizardo (e não dois
homens e uma mulher); certamente uma fantasia masculina travestida de intenso
exercício cinematográfico.
Pois bem, na esteira de sua busca por novas
conquistas –como se um homem pudesse ficar insatisfeito com a maravilhosa
Bernadette Lafont... –o ocioso e fútil Alexandre corre atrás da recatada
Gilberte (Isabelle Weingarten), desesperado por possuí-la. Mas, ela se recusa a
integrar sua vida sexual; Gilberte já conhece as propensões narcisistas de
Alexandre o suficiente para saber que ele a magoará.
Rejeitado, Alexandre tem um encontro, meio ao
acaso, com a enfermeira Veronika (Françoise Lebrun, de “O Escafandro e A Borboleta”), e auxiliado pela rotina aberta e casual dela, substitui seus
anseios românticos por Gilberte, pelo relacionamento que logo estabelece com
Veronika.
Pouco a pouco, eles trarão Marie para dentro
desse contexto sexual, contudo, se lança mão de um tempo desmesurado para
moldar e acompanhar a consolidação desse ménage-a-trois
–razão de sua prolongada duração –“A Mãe e A Puta” (título que faz menção às
duas figuras simbólicas que o homem procura inconscientemente em toda mulher)
também se ocupa de retratar, após seu auge e fulgor, a sua desconstrução: As
personalidades de seus integrantes, bem como as mágoas inevitáveis embutidas em
suas dinâmicas começam a afetar a harmonia do triângulo amoroso.
Marie é condescendente e mente aberta para com
a estripulias um tanto egocêntricas de Alexandre, mas ignora cada vez menos o fato
de que o ama e de que fez inúmeras concessões para ficar com ele (abriu mão da
exclusividade em seu relacionamento pela satisfação dele, e superou com alguma
dificuldade seu destempero com a enfermeira), ao mesmo tempo em que ele nada
cedeu; Veronika mesmo tendo superado a animosidade de Marie é surpreendida pelo
fato de que o arranjo com este casal não é, para si própria, o procedimento
promíscuo que ela tanto havia encenado outras vezes, e isso a torna perplexa,
inconveniente e passional (nessa mesma ordem); e Alexandre, por sua vez, tolo,
como todo jovem atrelado a uma relação de características tão complexas, vai
apresentando humores inapropriados à natureza da situação. E isso se reflete em
presunção para cima de Veronika, e egoísmo para com Marie.
Essa faceta verdadeiramente desprezível de
Alexandre –bem escondida do expectador e das mulheres que o amam pelo carisma
do ator que o interpreta –logo começa a ficar evidente, lançando Marie e
Veronika rumo à novas impressões acerca dele e da união que mantêm. A emoldurar
essa premissa aparentemente simples, banal até, o diretor e também roteirista
Eustache deposita, na loquacidade incessante que compõe sua narrativa,
intermináveis reflexões comportamentais,
monólogos sobre o estado das coisas e do espírito, considerações sobre os
relacionamentos modernos e uma reverberante desilusão em torno da ressaca moral
e existencial pós-Maio de 1968, todos transcorridos em quartos de hotel, ruas e
mesas de cafés.
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