sábado, 14 de outubro de 2023

Totalmente Kubrick


 Stanley Kubrick foi um cineasta que, por inúmeros motivos, viu uma aura lendária crescer ao redor de si: Além de realizador de alguns dos grandes trabalhos cinematográficos do Século XX (como “2001-Uma Odisséia No Espaço”, “Laranja Mecânica” ou “Nascido Para Matar”), e extremamente recluso, Kubrick era predisposto a notórias excentricidades, entre elas, estender as filmagens de suas obras para muito além de qualquer cronograma (anos, em muitos casos!) e ficar períodos ainda mais longos sem nem mesmo filmar. Talvez por isso, poucos tenham realmente estranhado o fato de Stanley Kubrick aparecer, em meados de 1998 (época em que se sucedeu a quase interminável filmagem de “De Olhos Bem Fechados”, seu último trabalho), nas imediações do centro de Londres, afirmando estar em busca de rapazes –membros do elenco e da equipe técnica –para seu novo projeto. Este, na verdade, não era Stanley Kubrick (na verdade, o falsário não era sequer parecido com o verdadeiro Kubrick, no entanto, esse detalhe era irrelevante em seu embuste visto que tudo ocorreu em uma época pré-internet!), seu nome era Alan Conway (que John Malkovich interpreta com histrionismo aguçado e engraçado), um homossexual alcóolatra e bon-vivant que valeu-se da lenda em torno de Kubrick para obter favores sexuais dos muitos rapazes que caiam em sua lábia, extorquiu dinheiro de músicos e outras pseudo-celebridades, e conseguiu acesso à diversos restaurantes, festas badaladas e clubes noturnos exclusivos ao passar-se pelo lendário cineasta.

No auge de sua farsa, Conway chegou a se casar com um milionário sob a identidade de Kubrick (que, diga-se, era casado e tinha filhos!), até por fim ser internado em uma clínica psiquiátrica. Curiosamente, Alan Conway morreu em dezembro de 1998, cerca de três meses antes do próprio Stanley Kubrick, falecido em março de 1999.

Não é por acaso que transborda uma irônica sensação de conhecimento de causa na narrativa desta comédia inglesa um tanto atípica e sarcástica, Anthony Frewin, seu produtor, foi assistente pessoal do próprio Kubrick, enquanto Brian W. Cook, seu diretor, foi seu assistente de direção no clássico do terror “O Iluminado” e em outros trabalhos: À sua maneira, Cook enxerga o humor irreprimível na figura do farsante que consegue enganar a tantos por tanto tempo (e tão mais absurdos vão se tornando os desdobramentos de sua farsa pelo fato de tudo ter acontecido de verdade), ao mesmo tempo em que exibe um certo lamento por pessoas que, na inércia inocente de acreditar que seu sonho estava sendo realizado, se deixaram usar. Não obstante sua procedência, “Color Me Kubrick”, em sua premissa central, acaba lembrando, e muito, o iraniano “Close-Up”, também ele baseado em um fato real, além de dialogar diretamente com o cult “Quero Ser John Malkovich”, de Spike Jonze, lançado poucos anos antes, na presença emblemática do próprio Malkovich, no argumento bastante peculiar onde os personagens descobrem uma satisfação perdida ao assumir uma vida (e uma identidade) que não lhes pertence, e até mesmo na semelhança de seu título.

A um só tempo comédia inglesa (com toda a característica fleuma britânica a impregnar o ritmo, as atuações e a estruturação do roteiro) e obra cinematográfica sobre notórios vigaristas dissimulados (como o foram “Prenda-Me Se For Capaz”, “VIPs”, “O Golpista do Ano” ou “Trapaça”), o filme de Cook oferece lances surpreendentes diretamente saídos de uma mirabolante história real, uma sucessão de graciosas referências à singular cinematografia de Stanley Kubrick (entre outras coisas, a participação da atriz Marisa Berenson que trabalhou com ele em “Barry Lyndon”) e uma atuação de John Malkovich que, se não está entre as melhores de sua carreira, certamente, é uma caricatura das mais saborosas.

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