quinta-feira, 16 de abril de 2020

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Não obstante ser inspirado numa história real, o filme de Toniko Melo guarda fortes semelhanças com “Prenda-Me Se For Capaz”, de Steven Spielberg, no retrato surpreendente e carismático que traça de um farsante, na curiosa relação entre essa atitude e a paixão pela aviação, e também no gatilho emocional sugerido em uma corruptível presença paterna (este sim, um artifício narrativo que busca uma aproximação mais escancaradamente proposital com o filme de Spielberg).
Marcelo Nascimento da Rocha (Wagner Moura, esbaldando-se com o personagem) era um rapaz reprimido e pouco confortável consigo mesmo na cidade onde cresceu –o retrato de sua mãe (Gisele Fróes), visto e revisto ao longo do filme, é um curioso e interessantíssimo código cinematográfico para suas dualidades internas.
Partindo de casa, ele usa o instinto natural de enganador que tem para obter aulas de piloto, o que acaba levando-o para o Paraguay onde assume o nome de Carrera e passa a fazer viagens aéreas para traficantes.
Numa ocasião em que é preso, ele inventa uma história para os policiais acerca dessa figura, Carrera, e com isso cria uma trama tão convincente que mais tarde, quando é ‘aposentado’ pelos traficantes e enviado de volta para o Brasil, descobre que sua mentira tão bem contada se imbricou na realidade quando acabaram prendendo outro piloto que terminou levando toda a fama germinada em sua história.
Talvez tenha sido isso que deu a Marcelo a motivação para realizar seu mais conhecido e audacioso golpe: Passar-se pelo próprio herdeiro da famosa empresa de aviação Gol, Henrique Constantino, durante as festas de Carnaval do Recife realizadas no próprio resort de propriedade da família Constantino e, amparado nesse status, conseguir financiar um camarote milionário onde monopolizou celebridades e milionários –até mesmo o apresentador de TV Amaury Jr. (interpretando a si mesmo) chegou a entrevistá-lo em rede nacional e ao vivo (!).
É a partir daí que a narrativa vai deixando claro que havia um lapso psicológico em Marcelo: As identidades que assumia não eram apenas disfarces superficiais, mas encenações com as quais ele convencia a si próprio, personificações nas quais por vezes mergulhava de tal maneira irreversível que corria o risco de não emergir delas novamente.
Assim é o que nos leva a deduzir o epílogo (o filme termina um tanto abrupto e rápido demais) onde ele torna a assumir outra persona –desta vez na cadeia, em plena revolta dos presos comandada pelo PCC –e nela se descobre tão convicto que chega a assumir o controle da rebelião.
Talvez pelo orçamento sempre homeopático com os quais têm de contar as realizações brasileiras, o filme de Toniko Melo não vai mais além do que poderia na história de seu protagonista: Se houveram outras idas e vindas da prisão (e houveram!), o filme não se incumbe delas, bastando-se no registro aprofundado de um único episódio.
Menos mal que o trabalho de Toniko Melo faz o que se propõe a fazer com propriedade, sempre envolvente, sempre instigante, administrando com competência a similaridade que essa realização encontra também com “Zelig”, de Woody Allen –no sentido de que a característica do protagonista em transmutar-se de um papel para outro era menos uma dissimulação bem empregada e mais um reflexo psicológico inerente a ele mesmo –e privilegiando o público com uma magnífica atuação de Wagner Moura, tão versátil quanto seu camaleônico personagem.

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