O título nacional de “Mad Dog And Glory” periga
confundi-lo na percepção de alguns cinéfilos –ou pretendentes a cinéfilos –com
o clássico “Jules e Jim-Uma Mulher Para Dois”, de François Truffaut.
Esta, na verdade, é uma comédia dos anos 1990
que sofre constante ameaça de ser esquecida pelo tempo, como tantas outras
obras.
No final dos anos 1980, tendo roteirizado o
aclamado “A Cor do Dinheiro” e o sucesso “Vítimas de Uma Paixão”, o escritor
Richard Pryce estava com a bola toda, logo, não tardou a fazer o mesmo que
todos os artistas que veem o próprio ego ser inflamado por uma boa maré de
sorte: Imaginou-se um autor.
O produto desse momento de vaidade é “Mad Dog
And Glory”, sobretudo, porque nele se identificam maneirismos de um roteirista
que tateia as convenções à procura dos momentos chavões do gênero para neles
incutir um refinamento inesperado e uma personalidade tida por singular. Por
conta disso, o filme que supostamente seria uma comédia não é, veja só, assim
tão engraçado... o que deveria ser um romance não mergulha tanto dos dilemas
dos enamorados quanto dá a entender e... se havia intenção na premissa de Pryce
de abarcar algum outro gênero, nada nele sugere tal coisa.
O que sobra são méritos que acabam atribuídos a
outras presenças do filme –e que, às vezes, podem até resultar de algum acaso!
Robert De Niro vive o policial Wayne Dobie, a
quem os amigos apelidaram (sabe-se lá porque!) de Mad Dog –nada em seu
comportamento submisso e inerte faz lembrar um ‘Cão Raivoso’; aliás, nada nele
faz lembrar outros personagens da galeria de Robert De Niro.
Ao presenciar um assalto casual, Wayne acaba
conhecendo o gangster Frank Milo, vivido magnificamente por Bill Murray.
E leva até um certo tempo para nos darmos conta
da descomunal ironia de colocar Bill Murray interpretando um mafioso diante de
Robert De Niro: Pareceria um tremendo engano dos diretores de casting se o
talento dos intérpretes não tornasse tudo imediatamente convincente, e se, em
sua espirituosidade, isso já não fizesse parte da brincadeira proposta pelo
diretor John McNaughton.
Frank, por sinal, é um gangster pouco usual. É
ameaçador e controlador, mas deseja levar divertimento aos outros como
comediante de stand up e, apesar da rudeza de seus instintos iniciais, ele
intenciona fazer amizade com Wayne.
Todavia, na sua atitude gangster truculenta, a
amizade de Frank já alicia certos aspectos da vida de Wayne: Ele despacha para
morar com ele por uma semana a garçonete Glory (Uma Thurman, jovem e linda), na
intenção de fazer com que a beldade proporcione um pouco de satisfação à sua
vida solitária.
Glory tem uma dívida para com Frank, e morre de
medo dele, logo, ela insiste para Wayne que, se não tem muita disposição em
manter uma amizade com Frank (afinal, ele é tira, Frank é mafioso), ao menos
finga estar contente com a presença dela para não deixá-la em maus lençóis.
Assim, muito na galhofa, oscilando entre a
leveza de um possível romance e a pretensão de ser todo original, o roteiro de
Pryce vai moldando as situações que se seguem. Ele contou, é bem verdade, com a
sorte de ter um diretor como McNaughton, perito em tornar qualquer andamento
envolvente.
Saído das fileiras de obras independentes com o
admirável e tenso cult-movie “Henry-Retrato de Um Assassino”, McNaughton
realizou esta espécie de comédia dramática, um surpreendente salto de estilo ao
assumir uma produção comercial, não só mudando radicalmente de tom, abordagem e
gênero, mas provando versatilidade ao saber lidar com um material tão diferente
–e ele voltaria a fazer novamente, anos depois, ao realizar o noir erótico
“Garotas Selvagens”.
Escorregadio como era, o
roteiro de Pryce poderia representar uma armadilha para qualquer diretor menos
capaz, nas mãos de McNaughton é um romance inconstante, porém, ameno e
simpático que se sustenta até o fim, e tem o mérito inconteste de revelar uma
faceta mais sombria e de magnífico humor negro em Bill Murray (disparado a
melhor presença de todo o elenco), a juventude sensual e palpitante de Uma
Thurman antes de “Pulp Fiction”, e um lado mais sensível, de ator romântico, em
Robert De Niro –se bem que, nesse quesito, ele fica um pouco a dever...
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