terça-feira, 14 de abril de 2020

Por Amor Ou Vingança

Em 1970, Damiano Damiani inspirou-se na história real de Franca Villa para fazer um filme sobre uma jovem estuprada que viesse a fornecer uma ideia ao expectador das circunstâncias atrozes, injustas e desiguais na Sicília de então, dominada por uma cultura na qual os mafiosos se colocaram no topo de uma pirâmide em todos os âmbitos possíveis.
“Por Amor Ou Vingança” possui um tom muito similar ao sub-gênero ‘poliziotteschi’ –o filme policial italiano –no qual os meandros dos delitos e da criminalidade entram inusitadamente em foco. Para tanto, demora um pouco até Damiani apresentar sua maravilhosa protagonista: Antes disso, ele define muito bem seu antagonista.
Interpretado com empáfia e arrogância apropriadas por Alessio Orano, o jovem Vito é apadrinhado pelo mafioso siciliano Don Antonino. No início do filme, o chefão passa por uma usual ida para a cadeia e deixa o jovem a frente dos negócios com uma incumbência; de que logo arrume uma moça para se casar.
Vito não tarda a encontrar aquela que parece ser sua escolhida: A belíssima Francesca (interpretada por uma estreante e assombrosamente linda Ornella Muti), filha de família extremamente pobre.
Durante a fase inicial do cortejo, Francesca –que não é do tipo que leva desaforo para casa –já identifica a personalidade cruel e pouco razoável de Vito. Assim, seu relacionamento inicia uma série de idas e vindas que exasperam a personalidade truculenta dele.
Quando os comentários acerca de sua indomável companheira ferem o orgulho irredutível dele, Vito toma uma decisão radical: Manda que seus capangas sequestrem Francesca da casa de seus pais e passa a noite com ela numa casa de campo.
Ele a estupra.
E embora o filme basicamente gire em torno disso, o diretor Damiani é sucinto e elegante em manter implícito o máximo possível o ato detestável.
Vito, na verdade, segue a lógica da mentalidade terrivelmente provinciana e machista da Sicília: Se corre na boca do povo a estória de que ele e Francesca se deitaram (consensual ou não, isso não importa) então ela é obrigada a casar-se com ele, do contrário terá sua honra comprometida na comunidade.
Mas, para espanto dele, Francesca se recusa a aceitar o desfavor: Ela o denuncia por abuso na polícia local –que já procurava uma boa razão para enquadrar Vito.
Contudo, a garota se descobre um verdadeiro Davi contra Golias: Amedrontados pelos mafiosos, nem mesmo os membros da família dela a apoiam: seu irmão mais novo (testemunha de quando ela foi raptada) volta atrás em seu depoimento; seus pais, com medo das represálias, se voltam contra Francesca, ameaçando expulsá-la de casa; e a população local a discrimina considerando-a uma informante –numa cultura onde os policiais são vistos com mais desconfiança do que os criminosos enraizados em suas tradições.
Damiani conduz essa narrativa árida com foco pleno de admiração em sua estóica heroína, de uma postura altiva que remete a “Joana D’Arc” –e Ornella Muti do alto de seus tenros dezesseis aninhos de idade esbanja solidez em cena, tirando de letra uma personagem que poderia representar uma armadilha como intérprete e resultar no ponto fraco do filme; quando, na realidade, acaba sendo exatamente seu grande trunfo.

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