Hoje soa algo absurdo, mas em 1998, um estúdio
de cinema, um produtor, uma equipe técnica e todo um elenco não chegaram a
achar que a ideia do diretor Gus Van Sant em refilmar o clássico “Psicose”, de
Alfred Hitchcock, fosse assim tão equivocado.
Mais: Van Sant não tinha em seus planos uma
recriação, uma reinvenção ou mesmo uma repaginação (isso também foi feito,
anos depois, na série “Bates Motel”), não, sua intenção era refazer a obra de
Hitchcock frame a frame, repetindo os enquadramentos de câmera, mantendo a
única iniciativa de acrescentar cores à fotografia outrora preto & branco.
Seu pretexto era a apresentação de uma obra
fundamental à uma nova geração criada a base de MTV –e, ao qua parece, tão
alienada que era incapaz de procurar um filme mais antigo em alguma locadora
que o tivesse à disposição...
O filme até começa promissor, com um take de
câmera ininterrupto (um traveling de helicóptero sobrevoa São Francisco e entra
dentro da janela de um apartamento) que estava nos planos de Hitchcock, mas que
na época as restrições técnicas não permitiram a ele sua viabilização. Assim,
na personagem antes vivida por Janet Leigh, temos Anne Heche interpretando
Marion Crane, a secretária prestes a passar a perna no próprio chefe; e
destinada a pagar caro por isso. A fim de obter o mesmo resultado pretendido
por Hitchcock (o de descartar em pleno filme a personagem que aparentava ser a
principal), Van Sant tinha a intenção de escalar Nicole Kidmam para o papel
(ela havia filmado com ele o ótimo “Um Sonho Sem Limites”), mas os conflitos de
agenda não permitiram.
Durante sua fuga, de posse do dinheiro roubado
do patrão, Marion chega no Bates Motel onde conhece seu estranho proprietário,
Norman Bates.
Incorporado com tamanha adequação ao papel por
Anthony Perkins que sua carreira custou a desvencilhar-se da sombra do
personagem, Norman Bates é aqui vivido por Vince Vaughn que revela-se uma
escolha bastante estranha: Grandalhão feito um jogador de basquete e
inexpressivo, Vaughn em nada corresponde ao Norman de Perkins, cujas
características errádicas, hesitantes e socialmente ineficazes escondem sua
periculosidade sobre um verniz de timidez extrema.
Em vez disso, o Norman de Vaughn é claramente
ameaçador, suspeito no sentido genérico do termo e lembra, por vezes, o capanga
de um bandidão de fato.
Se você conhece “Psicose”, você sabe o que se
sucederá –em nada o filme de Van Sant altera a ordem dos acontecimentos do
filme de Hitchcock, revelando somente uma incapacidade mambembe de preservar a
mesma maestria: A montagem magistral da cena da morte no chuveiro (estudada por
alunos e professores de cursos de cinema) é recriada com cacoetes questionáveis
e claudicantes; o desenho de som (responsável pela tensão de inúmeras
passagens) é negligenciado a ponto de banalizar muitos momentos outrora
antológicos; e o que resta do elenco –Julianne Moore, Viggo Mortensen (antes do
“O Senhor dos Anéis”!) e William H. Macy –se esforça em vão para acrescentar
credibilidade a um caso perdido.
Por conta de todos esses erros, quando chegamos
ao trecho final –que na obra de Hitchcock abriga uma das mais eletrizantes e
estarrecedoras reviravoltas do cinema –a reação do público ainda interessado
aos acontecimentos é mais de chacota que de assombro.
Involuntariamente, a única
serventia do “Psicose” de Gus Van Sant foi provar o quanto inestimável e
inimitável era o “Psicose” de Alfred Hitchock e sua técnica então prodigiosa
–pois, o enquadramento podia ser o mesmo, o roteiro, com suas sequências e
diálogos, poderia ser o mesmo, até a mecânica das cenas poderia se repetir, mas
havia uma magia na concepção daquela, e de outras obras-primas do cinema, que o
mero e vazio esforço de reprodução não conseguiam replicar.
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