domingo, 12 de abril de 2020

Bem-Vindo Aos 40

Pete e Debbie eram personagens coadjuvantes em “Ligeiramente Grávidos” que acabaram ganhando protagonismo neste filme, realizado cinco anos depois, provavelmente porque o diretor Judd Apatow e seus atores, Paul Rudd e Leslie Mann (que à propósito é casada com o próprio Apatow), ainda tinham algo a dizer por meio deles sobre o lado espinhoso da relação a dois.
Se no outro filme, o casal representava aos olhos daqueles protagonistas (vividos por Seth Rogen e Katherine Heigl) as neuroses cotidianas que o matrimônio acumula ao longo dos anos, aqui, convertidos no foco central da narrativa eles proporcionam um relevo mais detalhado e, espera-se, mais divertido dessa observação –a primeira cena do filme, quando eles discutem, no chuveiro, o uso ou não do viagra, já deixa bem clara a sua predisposição para brigar por qualquer coisinha.
Na semana em que ambos completarão 40 anos –seus aniversários têm poucos dias de intervalo –Pete e Debbie se defrontam com as complicações familiares, profissionais e afetivas de seu cotidiano: Dono de uma pequena gravadora de álbuns, Pete tem de lidar com a chegada das vacas magras –o estilo de música no qual se tornou especialista já não rende mais lucro. Além disso, seu pai (Albert Brooks), cujo novo casamento lhe presenteou com trigêmeos (!) lhe pede dinheiro emprestado todo o tempo, algo que ele faz às escondidas de Debbie.
Por sua vez, Debbie –que é proprietária de uma loja de roupas –está às voltas com uma funcionária sedutora (Megan Fox) que pode ou não estar roubando dinheiro de seu caixa, bem quando Debbie descobre estar grávida pela terceira vez.
Esses percalços servem, em geral, para potencializar os contratempos do casamento dos dois –o cerne real da trama –que vive praticamente de conflitos diários: Pete não quer que Debbie fume. Debbie não quer que ele coma carboidratos. À esse stress mútuo somam-se a convivência com as filhas (a mais velha não sai do computador onde viciou-se na série “Lost” e encrenca a toda hora com a mais nova), a relação com os pais (o de Debbie, vivido por John Lithgow, é demasiado ausente e impessoal) e as pequenas incompatibilidades: Gostos musicais que nunca batem; opiniões divergentes, temores individuais e a visão nada concordada de como empregar o dinheiro de que dispõem.
Percebe-se, sobretudo, durante os primeiros trinta minutos, que muito do filme é construído em cima de esquetes e situações improvisadas (uma forte característica do processo criativo cômico de Apatow) do que em cima de uma narrativa propriamente dita –contudo, tanto Rudd quando Leslie são atores que se saem muito bem com esse tipo de comédia; ajuda muito o fato dos dois conhecerem tão aprofundadamente seus personagens, e a sintonia bastante palpável e orgânica que possuem entre eles mesmos e toda a equipe técnica. Há uma espontaneidade, um confiança que define muito do filme.
Voltar o olhar para o cotidiano parece ser, sob muitos aspectos, a grandes busca por meio da qual Judd Apatow encontra sua verve para comédia; em especial, o cotidiano experimentado por personagens que passam absolutamente longe do estereótipo que se costumou eleger como personagens principais de uma produção cinematográfica –nada de presenças poderosas, altivas e sensuais, nada de indivíduos bem realizados ou idealmente perfeitos, o que interessa para Apatow é a caracterização do banal, do corriqueiro; e quanto mais isso resultar em graça, melhor.
Assim, ele observou as insatisfações e frustrações sexuais de um homem de meia-idade em “O Virgem de 40 Anos”; colocou um comediante em crise avaliando as próprias escolhas equivocadas de vida em “Tá Rindo Do Quê?”; pôs um casal disfuncional formado por uma garota gorda e desbocada e um rapaz moderado em “Descompensada”; e, no que certamente foi seu maior sucesso, avaliou os percalços de uma gravidez inesperada em meio aos relacionamentos modernos em “Ligeiramente Grávidos”, filme a partir do qual ele pareceu consolidar uma espécie de estilo autoral.
Daí sua tentativa em seguidamente regressar a esses personagens e, de certa forma, a esse filme: “Ligeiramente Grávidos” continua sendo a grande obra da carreira de Apatow e, embora não lhe iguale o brilhantismo, “Bem-Vindo Aos 40” prova que ele é um dos raros diretores norte-americanos a dominar o humor com primazia.

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