Pete e Debbie eram personagens coadjuvantes em
“Ligeiramente Grávidos” que acabaram ganhando protagonismo neste filme,
realizado cinco anos depois, provavelmente porque o diretor Judd Apatow e seus
atores, Paul Rudd e Leslie Mann (que à propósito é casada com o próprio
Apatow), ainda tinham algo a dizer por meio deles sobre o lado espinhoso da
relação a dois.
Se no outro filme, o casal representava aos
olhos daqueles protagonistas (vividos por Seth Rogen e Katherine Heigl) as
neuroses cotidianas que o matrimônio acumula ao longo dos anos, aqui,
convertidos no foco central da narrativa eles proporcionam um relevo mais
detalhado e, espera-se, mais divertido dessa observação –a primeira cena do
filme, quando eles discutem, no chuveiro, o uso ou não do viagra, já deixa bem
clara a sua predisposição para brigar por qualquer coisinha.
Na semana em que ambos completarão 40 anos
–seus aniversários têm poucos dias de intervalo –Pete e Debbie se defrontam com
as complicações familiares, profissionais e afetivas de seu cotidiano: Dono de
uma pequena gravadora de álbuns, Pete tem de lidar com a chegada das vacas
magras –o estilo de música no qual se tornou especialista já não rende mais
lucro. Além disso, seu pai (Albert Brooks), cujo novo casamento lhe presenteou
com trigêmeos (!) lhe pede dinheiro emprestado todo o tempo, algo que ele faz
às escondidas de Debbie.
Por sua vez, Debbie –que é proprietária de uma
loja de roupas –está às voltas com uma funcionária sedutora (Megan Fox) que
pode ou não estar roubando dinheiro de seu caixa, bem quando Debbie descobre
estar grávida pela terceira vez.
Esses percalços servem, em geral, para
potencializar os contratempos do casamento dos dois –o cerne real da trama –que
vive praticamente de conflitos diários: Pete não quer que Debbie fume. Debbie
não quer que ele coma carboidratos. À esse stress mútuo somam-se a convivência
com as filhas (a mais velha não sai do computador onde viciou-se na série
“Lost” e encrenca a toda hora com a mais nova), a relação com os pais (o de
Debbie, vivido por John Lithgow, é demasiado ausente e impessoal) e as pequenas
incompatibilidades: Gostos musicais que nunca batem; opiniões divergentes,
temores individuais e a visão nada concordada de como empregar o dinheiro de
que dispõem.
Percebe-se, sobretudo, durante os primeiros
trinta minutos, que muito do filme é construído em cima de esquetes e situações
improvisadas (uma forte característica do processo criativo cômico de Apatow)
do que em cima de uma narrativa propriamente dita –contudo, tanto Rudd quando
Leslie são atores que se saem muito bem com esse tipo de comédia; ajuda muito o
fato dos dois conhecerem tão aprofundadamente seus personagens, e a sintonia
bastante palpável e orgânica que possuem entre eles mesmos e toda a equipe
técnica. Há uma espontaneidade, um confiança que define muito do filme.
Voltar o olhar para o cotidiano parece ser, sob
muitos aspectos, a grandes busca por meio da qual Judd Apatow encontra sua
verve para comédia; em especial, o cotidiano experimentado por personagens que
passam absolutamente longe do estereótipo que se costumou eleger como
personagens principais de uma produção cinematográfica –nada de presenças
poderosas, altivas e sensuais, nada de indivíduos bem realizados ou idealmente
perfeitos, o que interessa para Apatow é a caracterização do banal, do
corriqueiro; e quanto mais isso resultar em graça, melhor.
Assim, ele observou as insatisfações e
frustrações sexuais de um homem de meia-idade em “O Virgem de 40 Anos”; colocou
um comediante em crise avaliando as próprias escolhas equivocadas de vida em
“Tá Rindo Do Quê?”; pôs um casal disfuncional formado por uma garota gorda e
desbocada e um rapaz moderado em “Descompensada”; e, no que certamente foi seu
maior sucesso, avaliou os percalços de uma gravidez inesperada em meio aos
relacionamentos modernos em “Ligeiramente Grávidos”, filme a partir do qual ele
pareceu consolidar uma espécie de estilo autoral.
Daí sua tentativa em
seguidamente regressar a esses personagens e, de certa forma, a esse filme:
“Ligeiramente Grávidos” continua sendo a grande obra da carreira de Apatow e,
embora não lhe iguale o brilhantismo, “Bem-Vindo Aos 40” prova que ele é um dos
raros diretores norte-americanos a dominar o humor com primazia.
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