terça-feira, 18 de abril de 2017

Um Sonho Sem Limites

Nicole Kidman está mesmo tentadora neste ótimo filme, talvez, o melhor já engendrado por Gus Van Sant que aqui harmoniza como nunca antes em sua carreira as propensões de cinema comercial com uma saudável e salutar reflexão típica do cinema independente.
Ele não dá folga ao expectador: Realizador ainda jovem (o filme é de 1995) e ávido por experimentações na área de seu ofício, Van Sant constrói uma narrativa intrincada e fragmenta que se auto-impele o tempo todo, indo e vindo no passado e presente, deixando que o ‘antes’ se esclareça pelo comentário do ‘depois’.
Tudo isso molda uma crítica afiada, inteligente, mas nunca rabugenta, nem pretensamente séria, à mentalidade muito classe média e bem norte-americana de ‘vencer a qualquer preço’.
Essa condução ainda que confusa em primeira vista (e sensacional numa revisão) jamais perde o charme e a capacidade de envolver o expectador, em muito graças ao bem conduzido elenco que, nas mãos de Van Sant, entrega atuações cheias de ironia e controlada perplexidade.
É por isso que desde o início sabemos que algo de bem errado aconteceu, e que o cerne dessa possível tragédia –que não sabemos o que foi, mas assistimos diversas testemunhas dando seu parecer a esse respeito –é a ambiciosa (e deliciosa) Suzanne Stone (Nicole Kidman, no papel responsável por ela ter se tornado uma estrela na década de 1990), uma ‘garota do tempo’ da emissora de TV de uma cidadezinha que sonha com o estrelato –e com tal determinação ela almeja esse sonho que suas atitudes no dia-a-dia soam de um exagero e histrionismo absurdo, e por isso mesmo possível!
Suzanne é casada com Larry Maretto (Matt Dillon, que trabalhou com Van Sant no ótimo “Drugstore Cowboy”), o relativamente ingênuo e grosseiro dono de um restaurante de comida italiana.
É por meio de uma reportagem sobre o cotidiano de um grupo de adolescentes desajustados (entre eles um jovem Joaquim Phoenix e o recém-oscarizado Casey Affleck), onde Suzanne vê a chance de deixar de ser a mera apresentadora da previsão do tempo para alçar vôos mais altos, que ela começa a enxergar o empecilho que seu marido pode significar em sua ascensão.
Inexplicavelmente pouco lembrado nos dias de hoje –até então, ele sequer ganhou uma edição em DVD! –“Um Sonho Sem Limites” está certamente entre os melhores trabalhos lançados nos anos 1990. Ele une o ímpeto talentoso e criativo que Van Sant demonstrou em “Drugstore Cowboy”, aliado ao prestígio (e conseqüente tarimba para um maior orçamento e um elenco notável como este) obtido com “Garotos de Programa” –qualidades que não soube expressar tão bem no filme seguinte, o imediatamente anterior “Até As Vaqueiras Ficam Tristes”.
Van Sant ainda faria muitos outros filmes e consolidaria uma carreira audaciosa ainda que cheia de altos e baixos –incluindo algumas indicações ao Oscar por “Gênio Indomável” e “Milk-A Voz da Igualdade" –mas, o seu melhor trabalho de direção continua sendo este pulsante, divertido e sedutor conto de crime e castigo nos subúrbios norte-americanos.

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