O diretor Spike Jonze criou uma curiosa fábula
sobre os meandros da metalinguagem a que se dispõe o cinema, e os percalços da
fascinação da fama. Tudo isso numa história mirabolante que convida a refletir
sobre uma questão pragmática: Qual é o prazer de experimentar o ponto de vista
de uma celebridade?
Na trama mirabolante que ele dá vida com a
contribuição do roteirista Charlie Kaufman (de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”), o ator John Cusack é Craig Schwartz, um especialista em
marionetes amargando uma mediocridade que se estende aos outros âmbitos de sua
vida.
Craig tem um emprego insatisfatório, uma esposa
à qual trata (e é tratado) com indiferença, Lotte (Cameron Diaz, fazendo papel
de feia!), e nenhuma perspectiva de que as coisas venham a melhorar.
Entretanto, quando ele começa a trabalhar num
estranho escritório –localizado num meio andar de um prédio (!) –duas coisas
vêm a acontecer: Primeiro, ele conhece e se apaixona por sua radiante colega de
escritório, Maxine (Catherine Keener, ótima), efeito que ela desperta em Lotte
também (!); e depois, ele encontra no mesmo escritório uma pequena porta que
conduz por um corredor e que, ao adentrá-lo, permite acesso momentâneo à mente
do ator John Malkovich (!).
E, claro, o próprio John Malkovich comparece
fazendo o papel de si mesmo –e, inclusive, mostrando bastante audácia em suas
escolhas visto que os rumos que a trama vai tomando revelam-se tão mais
absurdos quanto também perturbadores.
Comprometido, talvez, por uma acidez
melancólica que o faz de difícil digestão para o público –e aprofundando ainda
mais isso ao colocar o simpático John Cusack num papel apático, quase
antagônico –o filme de Spike Jonze, embora hábil, se excede nos caminhos
surreais que toma, ocasionando também uma avalanche de questionamentos sobre a
modernidade.
A nossa identidade é, afinal, determinante
naquilo que seremos? Há uma diferença imprevisível entre aquilo que somos e o
que permitimos aos olhos dos outros que sejamos?
Como o diretor espirituoso que é, Jonze não dá
uma resposta. Ele discorre em cima de uma dúvida coletiva num misto de angústia
e irreverência levando seu tema às últimas conseqüências, deixando o expectador
num impasse surreal.
Levar um tema às últimas
conseqüências, por sinal, parece ser especialidade dele, já que são de sua
autoria o insano programa televisivo “Jackass” e, no cinema, os desiguais
“Adaptação” (um exercício dissertativo sobre as infinitas inseguranças da
criação cinematográfica), “Onde Vivem Os Monstros” (uma visão lúdica e pessoal
sobre os desdobramentos ambíguos da pureza e da crueldade infantil) e “Ela” (um
conto estilizado que contrapõe as facetas prodigiosas da tecnologia às
inadequações afetivas do ser humano).
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