terça-feira, 25 de junho de 2019

Quero Ser John Malkovich

O diretor Spike Jonze criou uma curiosa fábula sobre os meandros da metalinguagem a que se dispõe o cinema, e os percalços da fascinação da fama. Tudo isso numa história mirabolante que convida a refletir sobre uma questão pragmática: Qual é o prazer de experimentar o ponto de vista de uma celebridade?
Na trama mirabolante que ele dá vida com a contribuição do roteirista Charlie Kaufman (de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”), o ator John Cusack é Craig Schwartz, um especialista em marionetes amargando uma mediocridade que se estende aos outros âmbitos de sua vida.
Craig tem um emprego insatisfatório, uma esposa à qual trata (e é tratado) com indiferença, Lotte (Cameron Diaz, fazendo papel de feia!), e nenhuma perspectiva de que as coisas venham a melhorar.
Entretanto, quando ele começa a trabalhar num estranho escritório –localizado num meio andar de um prédio (!) –duas coisas vêm a acontecer: Primeiro, ele conhece e se apaixona por sua radiante colega de escritório, Maxine (Catherine Keener, ótima), efeito que ela desperta em Lotte também (!); e depois, ele encontra no mesmo escritório uma pequena porta que conduz por um corredor e que, ao adentrá-lo, permite acesso momentâneo à mente do ator John Malkovich (!).
E, claro, o próprio John Malkovich comparece fazendo o papel de si mesmo –e, inclusive, mostrando bastante audácia em suas escolhas visto que os rumos que a trama vai tomando revelam-se tão mais absurdos quanto também perturbadores.
Comprometido, talvez, por uma acidez melancólica que o faz de difícil digestão para o público –e aprofundando ainda mais isso ao colocar o simpático John Cusack num papel apático, quase antagônico –o filme de Spike Jonze, embora hábil, se excede nos caminhos surreais que toma, ocasionando também uma avalanche de questionamentos sobre a modernidade.
A nossa identidade é, afinal, determinante naquilo que seremos? Há uma diferença imprevisível entre aquilo que somos e o que permitimos aos olhos dos outros que sejamos?
Como o diretor espirituoso que é, Jonze não dá uma resposta. Ele discorre em cima de uma dúvida coletiva num misto de angústia e irreverência levando seu tema às últimas conseqüências, deixando o expectador num impasse surreal.
Levar um tema às últimas conseqüências, por sinal, parece ser especialidade dele, já que são de sua autoria o insano programa televisivo “Jackass” e, no cinema, os desiguais “Adaptação” (um exercício dissertativo sobre as infinitas inseguranças da criação cinematográfica), “Onde Vivem Os Monstros” (uma visão lúdica e pessoal sobre os desdobramentos ambíguos da pureza e da crueldade infantil) e “Ela” (um conto estilizado que contrapõe as facetas prodigiosas da tecnologia às inadequações afetivas do ser humano).

Nenhum comentário:

Postar um comentário