terça-feira, 25 de junho de 2019

Deserto Em Flor

Em sua estreia no cinema, o diretor Eugene Carr esbanja sensibilidade na analogia que estabelece entre o desabrochar palpitante e irreprimível de todas as descobertas adolescentes –em especial, aquelas de natureza mais intimista –e a manifestação da bomba atômica como arma de lamentável destruição e, paradoxalmente, de indiscutível beleza cinematográfica; daí a cena que dá nome ao filme, onde vemos o exuberante cogumelo propagado pela detonação nuclear simbolizando tanto o viés incontrolável dos desejos e anseios juvenis quanto da própria arma que os seres humanos conceberam.
É, portanto, presumível que a trama se ambiente assim nos EUA dos anos 1950. Em Las Vegas, no Deserto de Nevada, onde os testes nucleares estão em afoito andamento, se desenrola uma trama, por sua vez, mais distinta, mundana e pessoal.
É a história da jovem Rose Chismore (Annabeth Gish) sob a ótica da qual veremos os aspectos disfuncionais de todos os membros de sua família: O padrasto (Jon Voight), vitimado por stress pós-traumático devido à guerra da Coréia, e resignado no alcoolismo, o quê só o torna ainda mais problemático; a mãe (JoBeth Williams) indiferente e alienada; o jovem que converteu-se em seu primeiro amor; e a tia (Ellen Barkin) vivaz, melindrosa e espalhafatosa que, por algum tempo, representa um oásis de diversão em meio ao tétrico caos familiar –até ela própria representar também ser um elemento desestabilizador para a harmonia do lar.
Das primeiras realizações à aproveitar financiamento do Sundance Institute –que o astro Robert Redford fundou para viabilizar projetos de novos talentos –em meados dos anos 1980, esta é uma realização independente que se beneficia da autonomia que a originou. Pode assim se dar ao luxo de ser um drama intrincado (quando qualquer obra partida de tal tema se obrigaria a ser forçosamente simplória para se manter comercial), de abordar assuntos com seriedade mais palatável do que melodramática (não só as angustias da juventude e as mazelas de núcleos familiares de classe média-baixa, como também as repercussões e desdobramentos do momento histórico notavelmente reconstituído e retratado) e de oferecer desafios reais à bons atores normalmente atrelados a um arquétipo quando se trata de suas participações no cinemão comercial –ainda que, no fim das contas, Jon Voight continue confortável no papel de neurótico ameaçador e Ellen Barkin (de “Vítimas de Uma Paixão”) no de mulher sensual.
O desfecho, que se pretende impactante, é ligeiramente comprometido pelo ritmo deliberadamente lento e contemplativo, mas isso não tiro o brilho desta obra reminiscente, sensível e adulta –e infelizmente, bastante desconhecida do grande público.

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