Numa revisão, o apaixonado trabalho de Peter
Jackson permite transparecer as apuradas técnicas narrativas de adaptação em
relação ao assombro de seus efeitos visuais que predominam na forte impressão
deixada nas primeiras vezes.
Após a ressaca de bilheterias e premiações sem
precedentes da “Trilogia Senhor dos Anéis”, o projeto seguinte de Peter Jackson
–ao qual a mídia e o público dedicaram interessada expectativa –representava um
retorno à gênese pessoal de seu próprio apreço ao cinema: O “King Kong”
original, de 1933, dirigido por Merian Cooper e Ernest Schoedsack, foi uma das
obras que definiram a identidade cinéfila de um ainda muito jovem Peter
Jackson.
Com efeito, sua refilmagem é frequentemente uma
declaração de amor.
Já havia sido feita uma refilmagem, por John
Guilhermin, em 1976, e ela tomava o mesmo princípio de atualidade do original,
ambientando a trama naquele tempo presente.
Ao decidir recriar com exatidão passional o
filme de Merian Cooper, Jackson paradoxalmente afastou-se dele: Se o filme
original trata sua época (1933) como o período presente, o “King Kong” de Peter
Jackson, ao ambientá-lo no mesmo 1933 agrega elementos distintos da
contemporaneidade como a atmosfera nostálgica a emular as características da
Grande Depressão, as inescapáveis referências cinematográficas e a recriação de
época em termos cinematográficos que, por si só, já proporciona um filtro à
realidade inerente ao cinema enquanto arte e exercício de imaginação.
Assim sendo (e com as três horas de narrativa
das quais se beneficia), este “King Kong” é, antes de tudo, um filme sobre Ann
Darrow, vivida com a adequada noção de desamparo por Naomi Watts –nas mãos
dela, a protagonista é tanto uma artista em busca de seu lugar ao sol, como
também uma sonhadora romântica que, em algum lugar lá no fundo, alimenta a
esperança de achar, ou ser achada, por um príncipe encantado.
Mas, a realidade é dura: Atriz de vaudeville,
Ann, como todos, já beira os níveis desesperadores da pobreza. É quase uma
providência divina quando o cineasta Carl Denham (Jack Black, evitando
magistralmente os personagens cômicos com os quais é associado) lhe chama para
estrelar um filme numa aventura imprevista.
“King Kong” é também sobre Carl Denham. Visionário e
entusiasta do cinema –e malandro acima de tudo –Carl vislumbra em cada projeto
seu o sucesso; indiferente ao fato de que realmente nunca o encontra. O
próximo, no entanto, promete: De posse de um mapa ancestral, Carl reúne uma
equipe, um elenco, uma tripulação e ainda o escritor Jack Driscol (Adrien
Brody, pouco aproveitado) para juntos partirem num navio a caminho da lendária
Ilha da Caveira, habitada, dizem as lendas, por criaturas pré-históricas. Lá,
Carl alimenta planos de fazer uma das mais singulares filmagens já feitas –e
toda a primeira hora do filme de Jackson é dedicada a esmiuçar essas
motivações, as dinâmicas estabelecidas entre os distintos personagens (como a
afeição romântica nascida entre Ann e Jack; as intermináveis manobras de Carl
que levam todos no papo; ou a hilária prepotência vaidosa do astro da película,
vivido por Kyle Chandler, em sua melhor atuação no cinema), a empatia por eles
nutrida e, por consequência, a elevação exponencial do suspense quando por fim
estiverem em perigo.
Quando “King Kong” já está quase na metade, sua
improvavelmente longa duração começa a se justificar: Jackson constrói com ela
uma atmosfera que poucos realizadores hoje têm tanta paciência para fazer.
A Ilha da Caveira, portanto, enche os olhos do
expectador com seus perigos inimagináveis que seus efeitos visuais de última
geração convertem em momentos assombrosos.
E Kong. Quando o protagonista de fato deste
filme surge, ele se mostra assombroso, personificado por uma excelência tátil
por meio da computação gráfica e, sobretudo, através da performance minuciosa e
abrangente de Andy Serkis que traz para o icônico primata gigante a mesma
maestria que ele ostentou em Gollum, de “O Senhor dos Anéis”.
O resto é história. Falou-se muito também sobre
o fato de Peter Jackson exercitar seu vasto aparato cinematográfico sobre um
filme do qual todo mundo sabia o desenlace final, mas ele não o faz presumindo
que o expectador não o soubesse: Em cada circunstância que leva a trama a
avançar (a captura de Ann pelos nativos; sua entrega ao deus Kong; os perigos
experimentados por Jack e a tribulação para reencontrá-la; a captura de Kong;
e, por fim, sua apresentação e desastrosa fuga em Nova York), Jackson enfatiza
não as surpresas em potencial, mas o drama de se moldar uma tragédia
irreversível.
Esse primor encontra seus
acordes mais elevados na construção complexa e nada verbal da relação afetiva
entre Ann e Kong –e que culmina, por sua vez, numa cena inexistente em todas as
outras versões, e que pode ser nomeada como a mais bela e emocionante sequência
desta produção: Quando ela e Kong, pouco antes da perseguição aérea que o
levará para sempre, brincam de escorregar no gelo nas águas congeladas do rio
Hudson.
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