terça-feira, 25 de junho de 2019

King Kong

Numa revisão, o apaixonado trabalho de Peter Jackson permite transparecer as apuradas técnicas narrativas de adaptação em relação ao assombro de seus efeitos visuais que predominam na forte impressão deixada nas primeiras vezes.
Após a ressaca de bilheterias e premiações sem precedentes da “Trilogia Senhor dos Anéis”, o projeto seguinte de Peter Jackson –ao qual a mídia e o público dedicaram interessada expectativa –representava um retorno à gênese pessoal de seu próprio apreço ao cinema: O “King Kong” original, de 1933, dirigido por Merian Cooper e Ernest Schoedsack, foi uma das obras que definiram a identidade cinéfila de um ainda muito jovem Peter Jackson.
Com efeito, sua refilmagem é frequentemente uma declaração de amor.
Já havia sido feita uma refilmagem, por John Guilhermin, em 1976, e ela tomava o mesmo princípio de atualidade do original, ambientando a trama naquele tempo presente.
Ao decidir recriar com exatidão passional o filme de Merian Cooper, Jackson paradoxalmente afastou-se dele: Se o filme original trata sua época (1933) como o período presente, o “King Kong” de Peter Jackson, ao ambientá-lo no mesmo 1933 agrega elementos distintos da contemporaneidade como a atmosfera nostálgica a emular as características da Grande Depressão, as inescapáveis referências cinematográficas e a recriação de época em termos cinematográficos que, por si só, já proporciona um filtro à realidade inerente ao cinema enquanto arte e exercício de imaginação.
Assim sendo (e com as três horas de narrativa das quais se beneficia), este “King Kong” é, antes de tudo, um filme sobre Ann Darrow, vivida com a adequada noção de desamparo por Naomi Watts –nas mãos dela, a protagonista é tanto uma artista em busca de seu lugar ao sol, como também uma sonhadora romântica que, em algum lugar lá no fundo, alimenta a esperança de achar, ou ser achada, por um príncipe encantado.
Mas, a realidade é dura: Atriz de vaudeville, Ann, como todos, já beira os níveis desesperadores da pobreza. É quase uma providência divina quando o cineasta Carl Denham (Jack Black, evitando magistralmente os personagens cômicos com os quais é associado) lhe chama para estrelar um filme numa aventura imprevista.
King Kong” é também sobre Carl Denham. Visionário e entusiasta do cinema –e malandro acima de tudo –Carl vislumbra em cada projeto seu o sucesso; indiferente ao fato de que realmente nunca o encontra. O próximo, no entanto, promete: De posse de um mapa ancestral, Carl reúne uma equipe, um elenco, uma tripulação e ainda o escritor Jack Driscol (Adrien Brody, pouco aproveitado) para juntos partirem num navio a caminho da lendária Ilha da Caveira, habitada, dizem as lendas, por criaturas pré-históricas. Lá, Carl alimenta planos de fazer uma das mais singulares filmagens já feitas –e toda a primeira hora do filme de Jackson é dedicada a esmiuçar essas motivações, as dinâmicas estabelecidas entre os distintos personagens (como a afeição romântica nascida entre Ann e Jack; as intermináveis manobras de Carl que levam todos no papo; ou a hilária prepotência vaidosa do astro da película, vivido por Kyle Chandler, em sua melhor atuação no cinema), a empatia por eles nutrida e, por consequência, a elevação exponencial do suspense quando por fim estiverem em perigo.
Quando “King Kong” já está quase na metade, sua improvavelmente longa duração começa a se justificar: Jackson constrói com ela uma atmosfera que poucos realizadores hoje têm tanta paciência para fazer.
A Ilha da Caveira, portanto, enche os olhos do expectador com seus perigos inimagináveis que seus efeitos visuais de última geração convertem em momentos assombrosos.
E Kong. Quando o protagonista de fato deste filme surge, ele se mostra assombroso, personificado por uma excelência tátil por meio da computação gráfica e, sobretudo, através da performance minuciosa e abrangente de Andy Serkis que traz para o icônico primata gigante a mesma maestria que ele ostentou em Gollum, de “O Senhor dos Anéis”.
O resto é história. Falou-se muito também sobre o fato de Peter Jackson exercitar seu vasto aparato cinematográfico sobre um filme do qual todo mundo sabia o desenlace final, mas ele não o faz presumindo que o expectador não o soubesse: Em cada circunstância que leva a trama a avançar (a captura de Ann pelos nativos; sua entrega ao deus Kong; os perigos experimentados por Jack e a tribulação para reencontrá-la; a captura de Kong; e, por fim, sua apresentação e desastrosa fuga em Nova York), Jackson enfatiza não as surpresas em potencial, mas o drama de se moldar uma tragédia irreversível.
Esse primor encontra seus acordes mais elevados na construção complexa e nada verbal da relação afetiva entre Ann e Kong –e que culmina, por sua vez, numa cena inexistente em todas as outras versões, e que pode ser nomeada como a mais bela e emocionante sequência desta produção: Quando ela e Kong, pouco antes da perseguição aérea que o levará para sempre, brincam de escorregar no gelo nas águas congeladas do rio Hudson.

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