Harry Caine (Lluis Homar) é um deficiente
visual. Sua cegueira, no entanto, não impede seu sucesso com belas mulheres –ou,
talvez, como revela a cena inicial, seja justamente ela que o proporciona.
Roteirista de peculair compreensão da natureza
humana (tal como o próprio Pedro Almodovar, ou como ele mesmo se enxerga),
Harry foi no passado também o diretor de cinema de suas próprias histórias –e,
na trama trágica que vai se descortinando, Almodovar estabelece uma analogia
até meio manjada entre o deixar de enxergar e o parar de expressar-se por meio
do cinema.
Por qual razão Harry Caine mudou seu nome, que
antes era Mateo Blanco? E o que ocorreu, afinal, para que ele ficasse cego?
Iniciando uns bons anos após os eventos
passados que definiram o presente (e invariavelmente resgatando-os com
sucessivos flashbacks), “Abraços Partidos” recupera e reconstitui a história de
Mateo Blanco na qual descobrimos seu amor pela musa Lena (Penelope Cruz, sempre
maravilhosa) que se converte de adoração platônica e profissional para atração
carnal e consumada. Gradativamente, o roteiro de Almodovar migra seu
protagonismo de Mateo para Lena: Só para revelar que ela é a típica heroína
almodovariana com todas as letras! Pobre, foi obrigada a prostituir-se para
cuidar da mãe doente, e depois cedeu aos desejos sórdidos de um velho e
repressor milionário tornando-se sua amante. E só então foi descoberta como
atriz.
Almodovar vai e volta no tempo com sua condução
controlada não apenas tentando unir as inúmeras pontas soltas que ele mesmo
expôs, mas também igualando as cores resignadas do agora com o vermelho
passional do outrora, e nelas vislumbrando uma certa redenção para Mateo/Harry,
não mais oprimido pelo passado e no caminho por fazer as pazes com si mesmo.
Da fase em que Almodovar trocou a graça rasgada
por uma dramaturgia tão incomum quanto reveladora –e que rendeu obras premiadas
como “Tudo Sobre Minha Mãe”, “Fale Com Ela” e “Volver” –“Abraços Partidos” é
com frequência visto como o mais irregular, quiçá o mais pesado e estéril.
Com essa sua inconstância, acabou sinalizando
uma nova reinvenção na carreira do diretor espanhol rumo a um cinema
paulatinamente mais maduro e auto-consciente.
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