Se há algo de extrema utilidade, para os estudiosos de cinema que tentam compreender como um filme gera burburinho entre a crítica e, sobretudo, o público, neste documentário sobre as preparações e as filmagens do hoje lendário “A Bruxa da Blair”, é a forma despojada com que ele expõe as manobras quase instintivas, muitas ao sabor dos improvisos ou da própria sorte, que conduziram ao inesperado sucesso que essa produção independente obteve em 1999.
Foi por volta de 1994 que os então amigos
Daniel Myrick e Eduardo Sánchez (ambos colegas na Escola de Cinema da
Universidade da Flórida Central) tiveram a ideia de fazer um filme básico,
árido e precário usando todas essas circunstâncias limitantes como trunfos
dentro da estrutura do gênero terror –eles haviam assistido “A Hora do Pesadelo”, de Wes Craven (de 1984), e se deram conta do quanto defasado,
banalizado e despido de originalidade o gênero se encontrava nos anos 1990.
Buscando inspiração no conceito documental aproveitado episódio após episódio
em séries televisivas policiais de caráter mais sensacionalista, eles inseriram
o elemento sobrenatural nessa ideia, concebendo o projeto para um filme de
terror que, à sua maneira, soasse tão legítimo que despertaria, no público, a
dúvida se todos os eventos mostrados seriam, ou não, reais, auxiliados pelo
fato de que, naquela segunda metade dos anos 1990, os expectadores ainda não
dispunham de uma internet tão vasta
em informações e em ferramentas de busca capazes de elucidar imediatamente uma
dúvida como essa.
Foi assim que, financiado pelos próprios
diretores e por alguns poucos investidores, “A Bruxa de Blair” –ou “The Blair
Witch Project” –começou a ser rodado em 1997, nas imediações florestais da
cidade de Burkstville, no estado de Maryland. Durante as audições realizadas
para encontrar os intérpretes dos únicos três personagens principais, a maior
exigência para os papéis eram pessoas que não tivessem problemas em acampar à
noite, e que conseguissem lidar bem com o frio, a privação de sono e o
desconforto.
Foram selecionados –em audições transcorridas
em Los Angeles, Nova York e Orlando –os atores Joshua Leonard, Michael C.
Williams e a protagonista Heather Donahue, e deixados cientes de que, quando as
câmeras começassem a rodar, ele entrariam nos personagens e deles não sairiam
mais; tanto que os personagens do filme levaram o nome dos próprios atores que
os interpretam.
Rodado ao longo de oito dias bastante
exaustivos e aflitivos para os membros do elenco (que infelizmente não
comparecem prestando seus depoimentos ao filme), o processo de filmagem foi
desigual e inesperado com os atores extraviados na floresta, filmando a si
próprios, sem ter ideia da orientação das cenas e com os diretores e a diminuta
equipe técnica rondando-os e criando, a cada noite, novas situações para lhes
arrancar expressões de medo real.
Contudo, foi durante a divulgação –de um
caráter pioneiro e inovador –que o filme viralizou e mostrou-se realmente
diabólico: No documentário, Myrick e Sánchez revelam que valeram-se da internet justamente para passar ao
público a percepção de que todo o filme era real, resultado de materiais
encontrados numa cabana um ano após o desaparecimento do trio de jovens
documentaristas. Foi criado um site para o filme, abastecido de matérias sobre
o desaparecimento fictício e de um histórico onde todo um quadro cronológico
era contado sobre a Maldição da Bruxa de Blair, em Burkstville, que remontava
desde o século retrasado. Certamente, vítimas de maus-tratos durante as
filmagens, os três atores protagonistas foram até proibidos de aparecer em
redes sociais após o lançamento do filme, para que a ideia de seu
desaparecimento se consolidasse –num princípio básico muito parecido com o
usado também no execrante “Cannibal Holocausto”, nos anos 1970.
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