sábado, 30 de agosto de 2025

Tubarão - Por Trás de Um Clássico


 Dirigido por Laurent Bouzereau, este documentário comemora o aniversário de 50 anos da obra-prima “Tubarão”, de Steven Spielberg, esmiuçando passo à passo a criação deste filme lendário que marcou profundamente a cultura pop, contando com imagens de arquivo, bastidores e depoimentos.

É o próprio Steven Spielberg quem dá início ao filme, revelando que “Tubarão” representou um divisor de águas em sua carreira: Com um início ativo na TV, Spielberg já havia dirigido episódios de séries, feito o longa-metragem televisivo “Encurralado”, tão bom que chegou a ser exibido em salas de cinema (como atesta o fã Guillermo Del Todo), e estreado no cinema com o drama “Louca Escapada”. Seu projeto seguinte, portanto, definiria a percepção que o público, a crítica e a indústria teriam dele como cineasta dali para frente.

E quis o destino que esse projeto fosse “Tubarão”.

Escrito pelo romacista Peter Benchley, inspirado em ideias nascidas de suas experiências litorâneas e do documentário sobre vida marinha “Morte Branca em Água Azul”, o livro “Tubarão”, com sua mistura de suspense, informação e ambientação pouco usual, havia se tornado um sucesso editorial, despertando o interesse dos produtores Richard D. Zanuck e David Brown que logo compraram os direitos de adaptação. Foi o próprio Spielberg, então com 26 anos, quem ofereceu-se para dirigir o filme.

As locações escolhidas, a fim de recriar o ambiente muito pitoresco da cidadezinha fictícia de Amity, foram na cidade costeira de Martha’s Vineyard, em Massachusetts, e a pré-produção foi iniciada a partir do momento em que o designer de efeitos práticos Joe Alves junto de sua esmerada equipe deram início à construção do tubarão –uma criatura animatrônica de 8 metros de extensão, mais tarde, batizada por Spielberg de ‘Bruce’ em alusão ao nome de seu advogado!

Os principais nomes escalados para os protagonistas foram Roy Scheider, Robert Shaw e um jovem Richard Dreyfuss –fora outros cinco nomes hollywodianos, aqui e ali, do elenco coadjuvante (tais como Lorraine Garry, Murray Hamilton e Susan Blacklinie, a mocinha presente na impactante sequência de abertura), todos os demais personagens e participações foram deliberadamente escolhidos por Spielberg entre as pessoas da própria comunidade de Martha’s Vineyard, a fim de garantir a maior autenticidade regional possível.

“Tubarão” teve suas filmagens iniciadas sem um roteiro integralmente definido –havia certa indecisão dos produtores e do diretor quanto aos elementos que deveriam ser removidos do livro, como um romance (que julgavam desnecessário) e os aspectos pontuais –e esse foi só o primeiro dos inúmeros contratempos: Quando chegou a hora de usar o tubarão Bruce, cujo aspecto artesanal recriava magnificamente um tubarão-branco real, a equipe se deu conta de que haviam construído um animatrônico para funcionar em água doce; na água salgada, ele apresentava mau-funcionamento uma vez que a salubridade comprometia o equipamento eletrônico –isso levou o diretor Spielberg a valer-se de criatividade, sugerindo a presença da criatura através de inúmeros truques de cena inspirados na linguagem de suspense do mestre Alfred Hitchcock. Também outros acidentes são relatados, como o afundamento de um dos barcos da produção, a bordo do qual estavam câmeras, a equipe técnica, o diretor e toda a aparelhagem de som.

É, porém, na bem-humorada implicância dos atores Robert Shaw (falecido em 1978) e Richard Dreyfuss que alguns dos depoimentos mais se detêm. Representando personagens antagônicos, os dois intérpretes, um veterano e calejado, outro jovem e ávido, levaram parte desse antagonismo para a realidade, fazendo com que o diretor Spielberg a criasse subterfúgios com os quais improvisava cena após cena a fim de capturar o realismo daquela dinâmica. Fruto desse processo é a cena da qual, segundo Spielberg, ele mais se orgulha em todo o filme: O momento em que os três protagonistas estão dentro da cabine do barco, à noite, compartilhando experiências. O monólogo maravilhoso perpetrado por Robert Shaw (onde é incluído na narrativa o precedente real do fatídico ocorrido com os marinheiros americanos do U.S.S. Indianápolis, durante a Segunda Guerra Mundial) foi acrescentado de última hora no filme pelo co-roteirista Carl Gottlieb e depois lapidado, na noite anterior à filmagem, pelo próprio Robert Shaw (ele mesmo, um escritor e dramaturgo já renomado).

É contado que, nos meses de sua realização, em função das alardeadas complicações nos bastidores, o cronograma de “Tubarão” estourou, levando Spielberg e sua equipe a experimentar um pesadelo –muitos foram aqueles que chegaram a afirmar para Spielberg que aquele filme arruinaria sua carreira.

Já durante a pós-produção, após finalmente ser concluída uma filmagem que parecia interminável, o músico John Williams (colaborador de Spielberg desde “Louca Escapada”) revela ter se inspirado nos acordes de Bernard Herman para “Psicose” a fim de criar a icônica trilha sonora de “Tubarão”, sem sombra de dúvidas, uma das mais marcantes do cinema.

Quando aportou nos cinemas em 1975, “Tubarão” recompensou o empenho e o talento de Spielberg quando tornou-se o primeiro blockbuster da era moderna –as filas de cinema contornavam quarteirões, dando origem a um fenômeno de bilheteria que teria continuidade dois anos depois com “Star Wars”, de George Lucas. Indicado ao Oscar de Melhor Filme (perdendo para “Um Estranho No Ninho”) e vencendo os de Melhor Trilha Sonora, Melhor Som e Melhor Montagem, “Tubarão” deu a Spielberg o status de autor cinematográfico com o qual, a partir dali, foi capaz de decidir o corte final de cada uma de suas obras (a começar por seu projeto seguinte, o personalíssimo “Contatos Imediatos do 3º Grau”). A influência e admiração irrestritas que a obra desperta são perceptíveis nos depoimentos de diretores como James Cameron, Steve Sodenberg e J.J. Abrahams, e de colegas próximos de Spielberg, como George Lucas, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e John Milius.

Num misto de nostalgia e alívio, Spielberg relembra os apuros que passou durante a realização de “Tubarão”, e as impressões traumáticas que continuaram acompanhando-o por muitos anos depois, a despeito do avassalador sucesso que o filme lhe proporcionou, ajudando a convertê-lo num dos maiores diretores de cinema de todos os tempos.

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