segunda-feira, 6 de março de 2017

Contatos Imediatos do Terceiro Grau

Um trabalho primoroso e indicativo não apenas do cineasta, mas também do ser humano que Steven Spielberg é: Alguém dotado de um senso jovial de curiosidade, cujo interesse pelo desconhecido vem mesclado por uma esperança plena no futuro da humanidade.
Seus filmes refletem muito bem isso, mas poucos o fazem com tanta precisão e minúcia quanto “Contatos Imediatos”.
Realizado no fim dos anos 1970, quando o movimento da Nova Hollywood proporcionava a muitos dos jovens cineastas emergentes (Spielberg entre eles) liberdade criativa o suficiente para viabilizar projetos pessoais de natureza mais autoral, esta superprodução beneficiou-se muito do imenso êxito obtido por seu realizador alguns anos antes, com “Tubarão”.
Ainda um jovem buscando descobrir as formas para moldar o seu próprio cinema, Spielberg foi descobrindo sua voz a cada projeto, a cada tentativa.
É neste aqui onde ele teve a primeira oportunidade de escancarar sua paixão pelo fantástico, mas ele o fez com a mesma precisão narrativa, o mesmo bom senso de ritmo, verossimilhança e lógica que nortearam “Tubarão” (e, por que não, com seus dois trabalhos anteriores também, os menos conhecidos “Encurralado” e “Louca Escapada”) e dele fizeram uma obra tão memorável.
O filme acompanha –em princípio, em tom poderosamente documental e absorvente –uma série de ocorrências intrigantes a respeito de ÓVNIS. Não demora muito para que o diretor concentre-se em três linhas narrativas específicas: A principal envolve Roy (Richard Dreyfuss, ator predileto de Spielberg nessa sua primeira fase), um pai de família algo negligente –e tal elemento também tem ressonância em toda a obra do diretor –que tem uma experiência envolvendo a aparição de uma estranha nave, o que o torna obcecado pela visão de uma montanha que nunca deixa sua mente, para a aflição de sua esposa (Teri Gaar).
Além dele, há também a história de uma perplexa mãe (Melinda Dilon, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante) cujo filho de nove anos foi levado pelos alienígenas.
Por fim, existe a trama que segue o Dr. Claude Lacombe (especialíssima participação do diretor francês François Truffaut), um renomado cientista francês que busca tentar compreender e encontrar um possível sentido em todas essas ocorrências inacreditáveis.
Uma das várias tentativas de entender o porquê de Spielberg ter insistido para que fosse seu ídolo Truffaut quem interpretasse o Dr. Lacombe seria de que (em virtude da natureza dos filmes que fez na nouvelle vague) Truffaut simbolizaria o inocência, algo relacionado aos alienígenas por Spielberg, mas muitos que dizem isso se esquecem que Spielberg só fez “E.T.-O Extraterreste” (esse, sim, o filme que estabelece essa relação alienígenas/inocência) muitos anos depois.
É possível que a presença de Truffaut –e do fato de sua postura, no movimento francês, lembrar muito a postura do próprio Spielberg –tenha a ver com o fato dele querer dar uma indelével aura de humanidade (e de humanismo) a um personagem que, na atuação de outro ator, poderia soar frio e calculista.
Da forma como esta, Truffaut representa o próprio Spielberg em seu fascínio quase incontido ao finalmente estabelecer contato com os seres de outro planeta.
Todas as linhas narrativas de “Contatos Imediatos” convergem assim para o mesmo local no apoteótico terço final do filme, quando percebemos a habilidade do diretor Spielberg ao constatar o quanto a aglutinação dessas tramas (e seu desfecho quase imponderável) poderia tê-lo feito perder por completo o domínio da narrativa, mas não o faz –pelo contrário, desde “2001-Uma Odisséia No Espaço” não se via um diretor exibir tamanho talento e controle irrestrito sobre os aspectos técnicos, logísticos e dramáticos de um filme de ficção científica, e disso extrair uma realização de tirar o fôlego.
Embora tenha feito apenas três filmes nos quais o tema central eram alienígenas, Spielberg sempre manteve uma espécie de relação com eles em sua obra.
Além de “Contatos Imediatos”. “E.T.-O Extraterrestre” e a refilmagem de “Guerra dos Mundos”, os alienígenas aparecem em outros filmes seus, seja como um subterfúgio que proporcione uma catarse inesperada (“A.I.-Inteligência Artificial”), seja como a resposta final para um mistério insolúvel (“Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal”).
Os alienígenas, ao que parece, são um tema que o diretor Steven Spielberg não consegue deixar de lado.

Um comentário:

  1. Ótima resenha meu amigo , esse filme foi uns dos que revi na pandemia e explodiu a minha cabeça (quem sabe pelo momento que vivíamos), ainda procuro palavras para descrever a perfeição dessa obra ("blockbuster-autoral" se há que isso exista) , porém de fato a condução do filme (narrativa escolhida) e de um exemplar de aventura magico , com o desfecho sublime para matutar eternamente.

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