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quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Philadelphia

De grande relevância em meados da década de 1990, o bem calibrado filme de tribunal do diretor Jonathan Demme, sua aguardada produção que sucedeu seu premiadíssimo “O Silêncio dos Inocentes”, teve a honra de ser recebido como a primeira grande produção de Hollywood à falar sobre a AIDS e a trazer um protagonista homossexual vítima de tal doença –papel que Tom Hanks encara com um fôlego dramático então inédito em sua carreira definida mais por comédias leves.
Um sinal de avanço da parte da indústria em relação às questões prioritárias da sociedade, sem dúvida, mas que também refletia uma lentidão da parte dessa mesma indústria: Entre a descoberta da doença e, por fim, seu registro (e, portanto, reconhecimento) por parte de Hollywood, se passou uma década –antes dele, outros filmes (estes, porém, independentes) que ousaram abordar a situação da AIDS foram o canadense “O Declínio do Império Americano”, de Denis Arckand (cuja trama não abordava a doença diretamente, mas trazia entre seus personagens um homossexual aidético), e o norte-americano “Meu Querido Companheiro”, de Norman René.
Hanks interpreta Andrew Beckett, jovem advogado gay de uma prestigiada firma da Philadelphia que descobre, no auge de sua carreira profissional, ser portador do vírus da AIDS. Logo, suas tentativas em ocultar esse detalhe de seus superiores (eles não sabem que é homossexual e nem que é soro positivo) se tornam inviáveis e ele é demitido.
Agora, Andrew deseja mover um processo contra os homens para quem trabalhou, e o único advogado a assumir sua causa é o relutante Joe Miller (Denzel Washington, sempre magistral), que durante o processo precisa rever também seus próprios preconceitos.
Como o julgamento se estende ao longo de anos, o filme acompanha também a gradativa deterioração física de Andrew acometida pela doença.
Sem qualquer intuito de mascarar o melodrama, o filme carrega todas as fraquezas que se espera de uma produção de estúdio ao abordar um tema difícil e complexo; é demagógico em seu registro da homossexualidade; gratuito em sua intenção velada de chocar; e unilateral na sua construção de personagens.
A despeito dessa relativa falta de vigor dramático, a condução minuciosa e tecnicamente exemplar do diretor Demme é hábil em desviar a atenção do expectador de seus lapsos, minimizando-os e enaltecendo tudo o que faz o filme realmente funcionar: A capacidade asséptica e real do diretor em construir cenas que emocionam, e o esforço brilhante de um elenco cem por cento eficaz, onde se destacam as atuações de Denzel Washington e Tom Hanks (que ganhou, por este filme, o primeiro dos dois Oscars consecutivos de Melhor Ator que recebeu).

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Melvin e Howard

Eis um filme sensacional! Tão sensacional que é possível perceber, muito antes de sua consagração com “O Silêncio dos Inocentes”, que o diretor Jonathan Demme já era excelente (por sinal, “O Silêncio dos Inocentes” é tão antológico que não notamos o quanto trata-se de um corpo estranho na filmografia de Demme marcada muito mais por comédias pouco usuais como esta daqui).
Partindo de uma inusitada e nebulosa história real, o filme fala sobre o possível encontro entre o pobretão Melvin Dummar (James Le Mat) e o recluso e excêntrico milionário Howard Hugues (Jason Robards que, por uma brevíssima aparição já foi capaz de concorrer ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), numa curiosa e pouco convencional estrutura de roteiro –em um filme comum, a trama giraria em torno das improváveis e potencialmente cômicas distinções entre personagens opostos, antagônicos até, mas no filme que Jonathan Demme se propôs a dirigir, o foco é, acima de tudo, a realidade: o personagem Howard Hugues, ainda que essencial e ressonante à premissa tem, quando muito, uns dez minutos de cena. Todo o resto da narrativa é dedicada à Melvin, o homem comum que se cruzou sem saber com uma das mais enigmáticas figuras do Século XX e, nesse breve instante, conseguiu gerar nele uma impressão tão marcante e genuína que foi lembrado por Hugues em seu testamento (!).
Até isso acontecer –surpreendentemente perto do fim, quando Demme já subverteu as expectativas de quem foi ver seu filme com base em alguma sinopse enganadora –toda a trama conduzida pelo roteirista Bo Goldman (merecido ganhador do Oscar) irá se concentrar nas condições sempre periclitantes da vida de Melvin, na árdua tentativa de equilibrar a crença inocente no sonho americano com a realidade frustrante que insiste em se expressar por todos os lados, na divertida relação com sua esposa Lynda (a maravilhosa Mary Steenburgeen fazendo valer plenamente seu Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante) que, apesar do amor e da cumplicidade, cede às desilusões da vida e à inconseqüência do próprio Melvin.
Chega a ser uma surpresa ao expectador descobrir que a trama abrange vários anos, envelhecendo os personagens, confrontando-os com aspectos irreversíveis da vida e mostrando que, acima de tudo, apesar do humor afiado extraído, sobretudo, de um elenco hábil, e da graça e galhofa que o diretor Demme consegue extrair, esta é uma história supostamente baseada em fatos reais –o testamento, supostamente escrito a mão por Hugues deixando sua fortuna à Dummar foi aceito por alguns tribunais americanos, porém, rejeitado por tantos outros, levando o caso à uma conclusão indefinida.
Demme, portanto, permite que a realidade acabe interferindo em sua obra, dando a ela textura, razão de ser e ramificações de inúmeras interpretações sociológicas mesmo que isso jamais de sobreponha à diversão: Esta bela e imperfeita trajetória de indivíduos pertencentes à classe média baixa americana (e cuja amarga conclusão é que para sempre à ela irão pertencer) é, sim, uma reafirmação do compromisso de seu diretor com a autenticidade da vida real, mas é também uma comédia brilhante.

sábado, 10 de outubro de 2015

O Silêncio dos Inocentes

Este é um corpo estranho quando avaliamos o perfil dos outros únicos dois filmes que, como ele, em toda a história do cinema conquistaram todos os cincos Oscars principais (Filme, Diretor, Ator, Atriz e Roteiro). Foram eles: “Aconteceu Naquela Noite” e “Um Estranho No Ninho”.
Mas, a própria obra de Jonathan Demme já trata de deixar bem claras as razões para essa larga consagração: Começamos a história acompanhando a jovem agente do FBI, ainda em treinamento, Clarice Starling (Jodie Foster, sensacional). As seqüências iniciais, que a mostram em sua ofegante e desgastante rotina preparatória já evidenciam as dificuldades pelas quais a jovem passa para se impor num ambiente predominantemente masculino –e esses elementos serão reiterados o tempo todo pelo diretor.
Chamada para uma reunião com o chefão do FBI, Jack Crawwford (Scott Glenn), fica bastante claro o desconforto, em diversos níveis, ao qual Clarice é exposta (e todas as cenas com o aparentemente paternal Crawford serão envoltas nessa dúbia –e até perturbadora –atmosfera onde a narrativa impõe climas distintos, ora de uma estranha e inapropriada atração sexual, ora de absoluta inadequação. Um lembrete do quão inóspito e hostil o mundo dos homens pode revelar-se às mulheres.).
Clarice recebe a significativa missão –essencial para sua ficha de agente iniciante –de entrevistar um psicótico encarcerado com a nebulosa intenção de criar um perfil para um outro psicopata, denominado Bufallo Bill, a solta que vem fazendo vítimas.
Mas o prisioneiro em questão, Hannibal Lecter (o grande Anthony Hopkins, no personagem de sua vida), não é um psicopata comum, trata-se de um brilhante psiquiatra capaz de penetrar na mente da jovem, por quem, nas suas sucessivas entrevistas ele passa a nutrir um estranho fascínio.
A moça por sua vez é incapaz de evitar sua aproximação.
Há uma série de dualidades trabalhadas pela direção e pelo roteiro, e que podem passar facilmente despercebidas pelo expectador: O mundo orquestrado por Demme é um amalgama de segundas e terceiras intenções que passam longe do simbolismo bidimensional de bem e mal, representados na introspectiva Clarice e no intenso Hannibal. O FBI vale-se da própria Clarice para chegar até a mente de Hannibal, e dela tentar extrair a informação necessária. Já, Hannibal se deixa levar pelo jogo de interesses do FBI, apenas porque eles lhe entregaram um divertimento fascinante o suficiente –na forma de Clarice –para que ele dê sua colaboração indiferente no caso.
Clarice, portanto, quer ingressar no mundo masculino do FBI. O FBI quer ingressar no mundo insano e surreal que é a mente de um psicopata (Hannibal). O próprio Hannibal, em sua curiosidade sádica, quer entrar nesse mundo novo que é a mente de Clarice –e dela extrair os segredos que a fazem ser tão interessante aos olhos dele (A questão em torna da lembrança de infância a respeito do grito das ovelhas é um elemento profundo e significativo acerca do ímpeto que move a personagem). Tudo isso, para capturar Bufallo Bill (Ted Levine, ameaçador), um psicótico, que está livre em algum lugar do mundo (desta vez, o real), a exacerbar as regras de conduta lícita, promovendo a morte de inocentes.
Dentre todas essas dicotomias, a que mais parece interessar à Jonathan Demme, é a interação formidável e hipnótica entre Clarice e Hannibal, embora ele jamais negligencie as outras facetas de seu filme –é, portanto, até curiosa a economia com que o notável personagem de Hannibal Lecter é empregado aqui, quando observamos o quanto ele (assim como seu intérprete) passou a ser usado e enaltecido em filmes posteriores –todos incapazes de igualar a excelência deste daqui.
Pouco a pouco, a condução magistral (não à toa, com algo de expressionista) de Jonathan Demme vai reduzir esses reflexos e reflexões do mundo como ele é à um preocupante eufemismo de sua essência: Quando Clarice Starling, e somente ela, será confrontada com o próprio Bufallo Bill, não encarcerado como Hannibal, mas absolutamente livre e solto! Quando então “O Silêncio dos Inocentes” haverá de se impor como a obra espetacular de suspense psicológico que é.