No seu desvario de ficção científica,
metalinguagem e alegoria, “Zardoz” lembra um pouco o incompleto “Globo dePrata”, de Andrzej Zulawski, ao agregar elementos do período (década de 1970)
que fazem uma fantasia livre e imprevisível.
O filme de John Boorman começa com uma cabeça
flutuante (!) que se auto-intitula Zardoz e se mostra um prévio narrador do
filme. Ele também se revela auto-consciente: Nesse estranho monólogo inicial
faz inclusive referências ao fato de que sabe tratar-se tudo de um filme de
Hollywood.
Contrariando uma série de funções narrativas –e
no fim das contas usando tudo para gerar uma sensação de estranheza –o diretor
inicia de fato seu filme com outro Zardoz (!) já contrariando a cena anterior:
Ele é agora uma gigantesca cabeça de pedra a flutuar sobre seus fiéis como uma
nave.
O ano é 2293 e Zardoz é uma divindade que prega
a guerra, incentivando a aniquilação do ser humano por meio de justificativas
existenciais (a raça humana seria a praga do planeta) e distribuindo armas de fogo.
Entre seus bizarros fiéis –que usam um figurino
esquisito de máscaras, pantalonas e cuecas vermelhas –está Zed (Sean Connery)
que, por razões mantidas em mistério, entra na enorme cabeça de pedra flutuante
e lá encontra corpos nus e plastificados, aparentemente mortos.
Após matar um profeta (vivido pelo mesmo ator
que se dizia Zardoz no início), Zed aterrisa numa espécie de santuário
conhecido como Vórtice onde uma sociedade de seres humanos evoluídos e imortais
convive com o próprio tédio.
Lá, ele se torna um prisioneiro, intrigando os
habitantes de lá com suas características físicas primitivas, Zed se equilibra
entre o fascínio mal disfarçado de May (Sara Kestelman), que demonstra
interesse em sua espécie, e a intolerância contraditória de Consuella
(Charlotte Rampling, linda) que busca reprimir a atração pelo indivíduo
desconhecido incitando sua destruição.
Pouco a pouco, Zed se dá conta da circunstância
mirabolante em que esse imponderável futuro conduziu a raça humana: De um lado,
sujeitos à todas as atrocidades bárbaras, estão os denominados Brutos e seus
algozes, os Exterminadores (dos quais Zed faz parte) que são incitados pela
divindade Zardoz (um embaste) para que se matem numa série de conflitos sem
fim. Do outro, protegidos numa idílica região cercada por um campo de força,
estão esses seres supostamente evoluídos (que, numa manobra hoje completamente
datada, são caracterizados e retratados como decadentes hippies futuristas),
cuja boa-venturança de excluir a morte, a dor e o sexo de sua existência legou
a eles uma vida interminável de debates sem sentido e de hedonismo.
É Zed, entretanto, quem irá percorrer os
caudalosos caminhos que permitirão a derrocada dessa estranha ordem vigente –e
tão delirantes são esses percalços que o filme de Boorman com freqüência flerta
com o incompreensível, com o kistch e com o mau gosto propriamente dito,
perdendo, em diversos momentos, o foco do quê, de fato, quer dizer ao
expectador.
Uma idéia absurda comprada
com muita boa vontade pelo estúdio (a Twentieth Century Fox), o elenco
(sobretudo, o astro Sean Connery) e a equipe técnica, “Zardoz” é, entre outras
coisas, um reflexo das noções lisérgicas da contracultura e da liberdade
criativa da Nova Hollywood.
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