O abalo sísmico provocado por “O Segredo de Brokeback
Mountain” na crítica e no público foi tamanho que, alguns anos e alguns
projetos depois, o diretor Ang Lee ainda produzia sob a sombra dessa
repercussão –uma espécie de necessidade de se provar e se manter naquele mesmo
nível de relevância cinematográfica.
Certamente há algo disso a orientar “Aconteceu
Em Woodstock”, uma realização exemplar e brilhante, mas destituída daquilo que
mais supostamente teria: Espontaneidade.
Ang Lee inicia seu filme imerso num silêncio
muito condizente com a cidadezinha de White Lake, no estado de Nova York, onde
se ambienta a trama. Lá, todas as características típicas da pequena e
deliberadamente medíocre comunidade interiorana norte-americana convergem. Até a
trilha sonora que toca, portanto, soa abafada e retraída.
Sabemos, entretanto, que muito barulho virá:
Elliot Tiber (Demetri Martin) é um jovem morador com tímidas pretensões
artísticas. Todos os seus esforços, no entanto, são dirigidos para harmonizar a
situação dos pais, Sonia (Imelda Stanton) e Jake (Henry Goodman) –imigrantes russos,
proprietários de um pequeno hotel caindo aos pedaços, eles não se acertam com
ninguém, exceto com o parcimonioso Elliot, que para tanto, deixou sua morada em
Greenwich Village para ficar com os velhos.
Em meio ao tédio local, o máximo que Elliot se
permite é organizar um pequeno festival de música todo o ano –que atrai, quando
muito, uma meia dúzia de moradores...
Contudo, eis que a cidade vizinha, Wallkills,
estava prestes a sediar um festival de música hippie –com atrações muito
famosas daqueles idos de 1969 –e os organizadores foram, da noite para o dia,
desamparados pelos proprietários locais.
Disposto a usar a oportunidade para agitar a
freguesia claudicante de seu hotel, Elliot não perde tempo e liga para os
organizadores com uma ideia inusitada e prática: O alvará para seu insosso e
medíocre festival de música foi tirado sem problemas pelas autoridades, sendo
assim ele pode usá-lo, ainda que num festival de proporções –imagina ele –um pouco
maiores!
Elliot mal pode imaginar que está acendendo o
estopim para uma experiência sem precedentes que marcará, de forma inapelável,
toda a cultura norte-americana.
Austero como sempre em sua observação das
incongruências humanas (e revelando um olhar extraordinariamente afiado sobre
meandros comportamentais americanos para um cineasta taiwanês), Ang Lee tem a
sensatez de desviar sua narrativa de participações famosas (como Janis Joplin
ou Jimmie Hendrix) ou mesmo de facetas mais grandiosas do Woodstock em si para
priorizar as pessoas comuns, Elliot e seus pais (que, de normais, não têm
absolutamente nada), os moradores perplexos de White Lake (o proprietário das
terras usadas para o evento, vivido por Eugene Levy, o ator-assinatura da série
“American Pie”; o rabugento cidadão vivido por Jeffrey Dean Morgan e seu irmão,
alucinado e veterano do Vietnam, interpretado por Emily Hirsch) e toda sorte de
indivíduos inacreditáveis que o festival atrai: O travesti (!) e ex-veterano da
guerra da Coréia, Vilma, personificado com brilho insólito por Liev Schreiber;
o hippie Michael (Jonathan Groff), um dos responsáveis pelo festival cuja
atitude sempre lisérgica parece algo fora da realidade; o doidão em LSD (Paul
Dano, ótimo), e sua namorada (Kelli Garner, inebriante) que surgem no momento
mais psicodélico do filme; e tantos outros.
“Aconteceu Em Woodstock” marca também a segunda
incursão como roteirista de James Schamus, produtor de todos os filmes de Ang
Lee, a primeira foi “Hulk” –é curioso notar que, embora de origens,
procedimentos e naturezas absolutamente distintas, há alguma afinidade entre
esses dois projetos, em especial, a forma com que a narrativa se vale de múltiplos
quadros para dividir as cenas enfatizando, aqui, o caos gradativo presente nos
preparativos e, mais tarde, a fascinante pluralidade que contaminou esse
festival lendário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário