sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Aconteceu Em Woodstock


O abalo sísmico provocado por “O Segredo de Brokeback Mountain” na crítica e no público foi tamanho que, alguns anos e alguns projetos depois, o diretor Ang Lee ainda produzia sob a sombra dessa repercussão –uma espécie de necessidade de se provar e se manter naquele mesmo nível de relevância cinematográfica.
Certamente há algo disso a orientar “Aconteceu Em Woodstock”, uma realização exemplar e brilhante, mas destituída daquilo que mais supostamente teria: Espontaneidade.
Ang Lee inicia seu filme imerso num silêncio muito condizente com a cidadezinha de White Lake, no estado de Nova York, onde se ambienta a trama. Lá, todas as características típicas da pequena e deliberadamente medíocre comunidade interiorana norte-americana convergem. Até a trilha sonora que toca, portanto, soa abafada e retraída.
Sabemos, entretanto, que muito barulho virá: Elliot Tiber (Demetri Martin) é um jovem morador com tímidas pretensões artísticas. Todos os seus esforços, no entanto, são dirigidos para harmonizar a situação dos pais, Sonia (Imelda Stanton) e Jake (Henry Goodman) –imigrantes russos, proprietários de um pequeno hotel caindo aos pedaços, eles não se acertam com ninguém, exceto com o parcimonioso Elliot, que para tanto, deixou sua morada em Greenwich Village para ficar com os velhos.
Em meio ao tédio local, o máximo que Elliot se permite é organizar um pequeno festival de música todo o ano –que atrai, quando muito, uma meia dúzia de moradores...
Contudo, eis que a cidade vizinha, Wallkills, estava prestes a sediar um festival de música hippie –com atrações muito famosas daqueles idos de 1969 –e os organizadores foram, da noite para o dia, desamparados pelos proprietários locais.
Disposto a usar a oportunidade para agitar a freguesia claudicante de seu hotel, Elliot não perde tempo e liga para os organizadores com uma ideia inusitada e prática: O alvará para seu insosso e medíocre festival de música foi tirado sem problemas pelas autoridades, sendo assim ele pode usá-lo, ainda que num festival de proporções –imagina ele –um pouco maiores!
Elliot mal pode imaginar que está acendendo o estopim para uma experiência sem precedentes que marcará, de forma inapelável, toda a cultura norte-americana.
Austero como sempre em sua observação das incongruências humanas (e revelando um olhar extraordinariamente afiado sobre meandros comportamentais americanos para um cineasta taiwanês), Ang Lee tem a sensatez de desviar sua narrativa de participações famosas (como Janis Joplin ou Jimmie Hendrix) ou mesmo de facetas mais grandiosas do Woodstock em si para priorizar as pessoas comuns, Elliot e seus pais (que, de normais, não têm absolutamente nada), os moradores perplexos de White Lake (o proprietário das terras usadas para o evento, vivido por Eugene Levy, o ator-assinatura da série “American Pie”; o rabugento cidadão vivido por Jeffrey Dean Morgan e seu irmão, alucinado e veterano do Vietnam, interpretado por Emily Hirsch) e toda sorte de indivíduos inacreditáveis que o festival atrai: O travesti (!) e ex-veterano da guerra da Coréia, Vilma, personificado com brilho insólito por Liev Schreiber; o hippie Michael (Jonathan Groff), um dos responsáveis pelo festival cuja atitude sempre lisérgica parece algo fora da realidade; o doidão em LSD (Paul Dano, ótimo), e sua namorada (Kelli Garner, inebriante) que surgem no momento mais psicodélico do filme; e tantos outros.
“Aconteceu Em Woodstock” marca também a segunda incursão como roteirista de James Schamus, produtor de todos os filmes de Ang Lee, a primeira foi “Hulk” –é curioso notar que, embora de origens, procedimentos e naturezas absolutamente distintas, há alguma afinidade entre esses dois projetos, em especial, a forma com que a narrativa se vale de múltiplos quadros para dividir as cenas enfatizando, aqui, o caos gradativo presente nos preparativos e, mais tarde, a fascinante pluralidade que contaminou esse festival lendário.

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