Não obstante a faceta amarga e sombria da
sociedade que por vezes evoca, este é certamente um projeto em família: O
diretor e roteirista Dan Gilroy juntou-se aos irmãos Tony (que escreveu a
“Trilogia Bourne” e “Conduta de Risco”) e John, produtor e montador deste filme
respectivamente, e ainda deu a sua esposa, Rene Russo, uma ótima personagem à
qual ela dá brilhante ênfase dramática
“O Abutre” é um retrato compenetrado e
comprometido da imprensa marrom e das diretrizes imorais da busca por manchetes
que comprometem até mesmo a execução da lei.
Seu protagonista, Louis Bloom ganha, de Jake
Gyllenhaal, uma atuação minuciosa nos trejeitos irrequietos que denunciam uma
ausência absoluta de escrúpulos.
Da frustração e júbilo que experimenta, às
tragédias e ocorrências que testemunha, o olhar de Louis é sempre o mesmo,
vítreo e atento, denotando sua falta de empatia. Para tanto, quando o filme
começa, o vemos roubando cabos para ganhar algum dinheiro. Contudo, atividades
ilícitas não são o bastante e ele procura uma ocupação.
O que ele encontra na noite em que resolve
parar, por curiosidade, para ver um grave acidente às margens de uma rodovia:
Logo após os policiais e paramédicos chegam os repórteres com suas câmeras.
Louis fareja uma oportunidade ali e, em poucos
dias, está com sua própria câmera a postos, acompanhando a frequência do rádio
da polícia em busca de algo para filmar e assim poder barganhar com as redes de
noticiários sensacionalistas sempre atrás desse material.
Sem saber, Louis encontra seu habitat: É de
fato um ambiente perfeito para alguém inescrupuloso e calculista crescer e
ascender, um âmbito onde sua indiferença para com a vida alheia represente uma
vantagem que o permite focar-se naquilo que almeja.
Ele consegue, de certa forma, aliados: De um
lado, a editora de um telejornal obscuro (a própria Rene Russo), cujas
filmagens, quanto mais sanguinárias, mais garante a audiência de que ela
própria precisa para manter seu cargo.
Do outro, um jovem assistente, Rick (Riz Ahmed,
o violãozinho de “Venom”) cujos questionamentos morais aos poucos começam a
representar empecilhos para o próprio Louis.
Obtendo êxito cada vez maior com seu ofício de
esfregar a câmera na cara de pessoas afrontadas por acidentes, assaltos,
homicídios e toda sorte de tragédias urbanas, Louis adquiri tanta proximidade
com o crime que aos poucos passa a imbricar por ele: Começa fazendo pequenas
alterações em locais de acidente (mudando corpos de posição para conseguir um
ângulo mais dramático), evolui para um acidente automobilístico forjado
(sabotando os freios da furgão de um câmera concorrente, vivido por Bill
Paxton) e culmina em sua participação desprezível e ilegal num caso de
assassinato –Louis chega antes da polícia no palco de uma chacina e captura
imagens inéditas com sua câmera (imagens estas que não tardam a lhe
proporcionar um crescimento exponencial na carreira), o que inclui –sem que a
polícia seja notificada –gravações dos rostos e do carro dos assassinos.
Louis retêm essas imagens para que possa
encontrar os bandidos com ela, denunciá-los à polícias, e obter assim uma nova
manchete bombástica.
Envolvente e absolutamente
intrigante no registro de uma fauna tão presente e tão despercebida, inclusive
nas telas da TV brasileira também, o filme de Dan Gilroy se mostra incisivo e
desconcertante na justaposição inteligente que faz dos profissionais dessa área
que sobrepõem interesses pessoais à valores éticos.
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