Mais conhecido como o designer de produção de
“E O Vento Levou”, William Cameron Menzies realizou, em 1936, com o suntuoso
aval do produtor Alexander Korda, esta audaciosa adaptação de um clássico do
visionário escritor H.G. Wells, tido como de difícil transposição para o
cinema.
Wells imaginou, numa obra que pode ser definida
como especulação histórica e científica, um século de acontecimentos no futuro
da humanidade. Para que essas transformações fossem mais inteligíveis e fáceis
de assimilar, sua narrativa centraliza quase tudo na fictícia cidade de
Everytown, retratada pelo diretor Menzies com um rigor visual empregado na
direção de arte e de fotografia que muito faz lembrar “Metrópolis”, de Fritz
Lang.
A trama inicia-se em 1940, numa manobra
profética onde os realizadores já parecem antecipar algo muito próximo do que
viria a ser a Segunda Guerra Mundial. O Natal em Everytown, um lugar próspero
de vida cômoda de urbanizada, é interrompido quando sirenes anunciam uma
declaração de guerra e, simultaneamente à ela, os primeiros ataques aéreos.
Numa cena particularmente notável, o piloto
John Cabal (Raymond Massey) derruba um avião inimigo e tem um breve contato com
o homem moribundo que o pilotava –ele se mostra arrependido das ordens que teve
de cumprir e entrega sua máscara de gás (com a qual se protegeria dos gases
nocivos que ele mesmo lançou) para que, em vez dele, seja uma garotinha
inocente que a use.
Os anos avançam mostrando, nas décadas
seguintes, a progressão da guerra convertendo seus soldados, antes homens
normais, em indivíduos embrutecidos e miseráveis.
Em 1966, a guerra mingua pela falta de recursos
de ambos os lados, e os sobreviventes têm de lidar com um novo mal: A chamada
Doença dos Andantes, originada dos bombardeios tóxicos em diversas cidades,
cujos infectados assumem comportamento sorumbático antes de morrer. Os cidadãos
em geral estabelecem um toque de recolher e passam a executar a tiros todos os
infectados que encontram, num afastamento de qualquer procedimento civilizado.
Anos passam mais uma vez, e em 1970, Everytown
está convertida num pólo de sobrevivência onde a comunidade que ascendeu é um
arremedo que sucateia os escombros da tecnologia que um dia tiveram: Carros
antes motorizados são carcaças puxadas por cavalos; gasolina é um item de
colecionador, mais do que um produto realmente útil e máquinas voadoras são um
sonho que já ficou no passado.
Então, surge um avião nos céus, o primeiro
avistado em décadas.
Nele está o envelhecido John Cabal trazendo uma
mensagem para o novo comandante do lugar, um homem beligerante e obcecado pela
guerra a quem todos chamam de Chefe (Ralph Richardson).
Cabal representa agora um novo comitê disposto
a reerguer a civilização com base em ciência e bom senso, mas o Chefe só tem
interesse em viabilizar os aviões, abastecê-los, e prosseguir com sua guerra.
Os apoiadores de Cabal, feito prisioneiro, são
o sensato aviador Gordon (Derrick DeMarney) e o cientista médico Harding
(Maurice Braddell) que concordam com a postura dele, de que as hostilidades
devem cessar para que o progresso se reinicie, mas o Chefe só enxerga em Gordon
e Cabal os meios para concretizar sua sonhada força aérea, e no Dr. Harding, o
conhecimento científico para recriar o gás mortal usado no passado –por meio
desse personagem (o Chefe) o fascismo começa a dar as caras germinando no
excessivo nacionalismo e na justificativa do protecionismo.
A bordo de um avião que conseguiu reconstruir
com a ajuda de Cabal, Gordon escapa de Everytown e ruma para Basra, de onde
Cabal veio, e onde vigora um sistema de civilidade, harmonia e prosperidade a
ponto de sua ambientação parecer futurista na comparação com a debilitada Everytown.
Ela é bombardeada com o ‘gás pacificador’ que
leva toda a população a dormir, exceto seu Chefe, que em sua sanha homicida
morre. Cabal é então libertado e passa a liderar Everytown rumo a uma nova
ordem de progresso e evolução despida das exigências redundantes da guerra.
Assim, uma era tecnológica tem início onde a
criação de máquinas prodigiosas serve à exploração cada vez maior de recursos
naturais.
O futurismo chega nas décadas seguintes com
fábricas, maquinários e invenções modernas –e materializado em cenas de uma
amplitude técnica até hoje surpreendente.
Já estamos então em 2036 e a humanidade se
prepara para aventurar-se nas estrelas com uma missão direcionada à Lua. É
Oswald Cabal, descendente de John Cabal (e também interpretado por Raymond Massey),
quem escolhe a própria filha e o filho de um amigo para serem os representantes
da humanidade nessa empreitada.
Contudo, ocorre o surgimento de um opositor:
Homem religioso, Theotocopulos (Cedric Hardwicke) prega a interrupção do
progresso às massas, usando como argumento a avidez progressista e um tanto do
esquecimento das gerações atuais para com as mazelas do passado. Seus discursos
fazem nascer nessa utopia um sentimento de rejeição às inovações que remete à
mentalidade inquisitiva da Idade Média e ameaça trazer a barbárie de volta.
Hoje é inevitável enxergar “Daqui A Cem Anos”
como o clássico antigo que ele é, algo que ele obviamente não foi concebido
para ser: As suas considerações sobre a guerra e seus desdobramentos foram
proféticos em inúmeros aspectos, mas ele subestimou o avanço real ocorrido no
Século XX ao mostrar a exploração espacial se dando apenas em 2036, quando na
verdade ela iniciou-se nos anos 1960.
Seu acabamento visual,
sobretudo, em sua primeira parte evoca características estranhamente
anacrônicas do cinema mudo, mas a narrativa de Menzies não demora a se impor e
a solidificar uma visão realmente fascinante de um futuro imponderável,
ressaltada nas palavras eloquentes e otimistas que pontuam o discurso que
encerra o filme, fazendo dele, no fim das contas, uma mensagem de esperança no
ser humano.
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