“Cry Baby” ocupa um lugar transitório na consideração que dele pode ser feito –não é suficientemente transgressivo para os padrões do diretor John Waters, mas é ácido o bastante para exacerbar o comportado circuito comercial norte-americano; como ele bem o fez em meados de 1990.
Fruto do encontro do diretor Waters (conhecido
por suas alfinetadas contundentes e debochadas do american way of life em “Pink Flamingos”, “Polyester” e
“Hairspray”) com o jovem astro Johnny Depp (então ídolo adloescente da série
“Anjos da Lei”, disposto a cachoalhar sua carreira participando de produções
pouco usuais que se distanciassem da imagem que aos poucos o público começava a
fazer dele), “Cry Baby” é nítido em seu bem-humorado inconformismo: Ambientado
na mesma Baltimore que sedia todas as tramas amalucadas de Waters, o filme
parece uma subversão de “Grease-Nos Tempos da Brilhantina” e, como ele, é um
musical (!). O subúrbio tipicamente norte-americano do final da década de 1950
que serve de cenário ao filme é palco de uma disputa entre facções jovens
absolutamente antagônicas, os almofadinhas Squares e os desajustados Drapes.
Os Squares representam, pelo menos em sua
superfície, os riquinhos da classe alta local, engomadinhos, esnobes e
arrogantes. Os Drapes são seu oposto, uma gangue composta de enjeitados,
renegados e párias nos mais diversos sentidos. E tal qual os Montecchio e
Capuleto (de “Romeu e Julieta”), é de cada um desses grupos que sairão os dois
integrantes do romance que centralizará o enredo.
Na cena que abre o filme –uma sessão de
vacinação escolar bizarra e exorbitante –tanto a jovem Alisson dos Squares (Amy
Locane, candidamente sensual), quanto o rebelde Wade “Cry-Baby” Walker (Johnny Depp)
se descobrem almas gêmeas. Nas confusões que se seguem, Alisson alimenta a
intenção de abandonar os Squares, assim como seu irritante noivo, Baldwin
(Stephen Mailer, de “O Reverso da Fortuna”), para fugir na garupa da moto de
Cry-Baby. Dessa forma, eles vão parar numa festa nos arredores da cidade onde o
grupo muito peculiar de comparsas e familiares de Cry-Baby se reúne –um grupo
que é praticamente uma versão mais amenizada das figuras desconcertantes de “Pink
Flamingos”. Ainda assim, há bizarrice de sobra: Entre eles, está a avó de
Cry-Baby (Susan Tyrrell, de “Conquista Sangrenta”), uma vendedora de armas
ilegais, namorada de Belvedere (o insano rock-star
Iggy Pop) um desleixado esquisitão; Pepper, a irmã de Cry-Baby (Ricki Lake, a
mocinha de “Hairspray”), mãe solteira de duas crianças e grávida de uma
terceira (!); a medonha Hatched Face (Kim McGuire) cuja expressão do rosto e
maquiagem compõem um dos rostos mais caricaturais e tenebrosos da filmografia
de Waters; além de Wanda (a estrela pornô Tracy Lords) cujos pais (David Nelson
e a célebre sequestrada Patricia Hearst) estão por um fio de trocá-la por uma
filha adotiva holandesa (!?!).
Após uma tremenda confusão provocada pelos
Squares, a turma de Cry-Baby, sempre incompreendidos, acaba indo parar no
tribunal, onde terminam recebendo suas sentenças, sobretudo, o protagonista que
é enviado para uma cadeia pública. É em sua chegada lá que testemunhamos a
breve participação (de uma única cena) de Willen Dafoe, a interpretar um guarda-carcerário
com trejeitos inspirados em Jerry Lewis.
Logo, Cry-Baby fugirá do local –ou tentará
fazê-lo, num plano muito mambembe e mal-fadado, a lembar também a fuga de “Daunbailó”,
de Jim Jamursch, enquanto isso, entre intrigas e revelações, os Drapes se
reagrupam e, junto de Alisson, seguem para a cadeia numa última tentativa de
tirar Cry-Baby detrás das grades.
Toda essa narrativa caricata, afetada e
exagerada –adjetivos que espelham a caracterização de cada um dos personagens –é
impulsionada por uma percepção musical que contamina o filme e o adorna com ritmo
e melodia deliberadamente kistch.
Esse esforço de John Waters em se fazer mais acessível, ligeiramente afastado
do underground que o fez notório, soa
estranho, irregular e por vezes esquizofrênico, definitivamente um corpo
estranho no cinema comercial daquele início dos anos 1990.
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