quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Verdades Que Matam


 “Verdades Que Matam”, na realidade, foi o título nacional com o qual “Talk Radio” foi lançado em VHS pela VTI Home Video no Brasil, no final da década de 1980, durante a época das videolocadoras de fitas de videocassete. Realizado em 1988, “Talk Radio” foi dirigido e co-escrito por Oliver Stone depois de “Wall Street-Poder e Cobiça” (sua inquisitiva e elegante alfinetada na ausência de escrúpulos dos corretores da bolsa) e antes de “Nascido Em 4 de Julho” (a segunda de suas impactantes reflexões sobre o Vietnam; a primeira foi o premiado “Platoon”), ou seja, Stone, como diretor, há muito já havia definido seu estilo voltado para um sensacionalismo documental. A despeito da descoberta gradual que seu diretor teve de sua própria tendência autoral –descoberta esta certamente mais distinguível nos primeiros títulos de sua filmografia –é curioso notarmos que a personalidade a prevalecer nesta obra seja nem tanto a de Stone, como a de seu protagonista e co-roteirista Eric Bogosian, por sua vez, autor (junto de Ted Savinar) da peça teatral a partir da qual este longa-metragem foi construído, valendo-se também de forte inspiração na trama real de Alan Berg, radialista a frente de um programa de radio especializado em relatos controversos e polêmicos, tema que espelhava seu próprio apresentador.

Stone lutou para ter Bogosian tanto afrente como atrás das câmeras; o estúdio e outros diretores que passaram antes pelo projeto eram todos inclinados à presença de um ator protagonista mais famoso. Como resultado, “Talk Radio” é uma produção de baixo-orçamento, o que só salienta suas características de teatro filmado –é praticamente (salvo uma e outra cena, além de um trecho em flashback) ambientado num único cenário, os estúdios da radio KGBA, onde o programa se sucede. A direção de Oliver Stone, sempre tensa e intensa, se sente absolutamente à vontade com o material febril e envolvente, o que só torna o filme ainda mais notável e impactante. O radialista Barry Champlain (Eric Bogosian, no mal-disfarçado personagem inspirado em Alan Berg) comanda um talk show noturno que alcança altos índices de audiência nas radios de Dallas. Nele, ouvintes desequilibrados (alguns, num nível alarmante) telefonam em busca de conselhos ou de uma oportunidade para conversar sobre os mais diversos assuntos. Entretanto, Champlain é controverso, agressivo e neurótico, e sua interação com seus instáveis interlocutores é quase sempre perigosa, não raro desembocando em ameaças de morte. No entanto, o programa, com seu teor polêmico, faz imenso sucesso e seu produtor, Dan (Alec Baldwin, jovem mas já demonstrando potencial), negociou com investidores a possibilidade de ser lançado em cadeia nacional, o que traz para os estúdios a presença do executivo corporativista Dietz (John Pankow, de “Fome de Viver”), mandado para avaliar o show e dar seu aval a respeito da atração. Isso e mais uma série de problemas pessoais (a relação já turbulenta com a namorada e produtora do programa, vivida por Leslie Hope, da série “24 Horas”, e as idas e vindas nada harmoniosas de sua ligação com a ex-esposa, interpretada por Ellen Greene, de “A Pequena Loja dos Horrores”) interferem diretamente no desempenho de Champlain no programa, amplificando a tensão e transformando seu show numa maratona indigesta de degradação tragicômica.

Não costumam haver amenidades no cinema de Oliver Stone –pelo menos, não no cinema que ele exerceu nos anos 1980 e 90, época de sua fase mais prolífica –e “Talk Radio” é um belo exemplo de sua condução inspirada, da ótica sempre acurada para as celeumas mais torpes do ser humano, e da capacidade para moldar atuações de altíssima voltagem em sintonia com suas inquietações, para muito além de suas obras bem mais conhecidas. Aqui, ele conta com um texto afiado, loquaz e astuto da parte de Bogosian, onde ambos compartilham um desdém resfolegante para com a morbidez e o fascínio quase amoral da sociedade americana por tragédia e violência, e com isso constroem uma crítica incisiva, inteligente e provocante.

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