O longo prólogo que antecede o título original do filme é um exemplo da audácia técnica dos realizadores argentinos; quase destituído de diálogos e amparado em planos cuidadosamente relacionáveis, ele lembra as sequências cinematograficamente densas construídas por Paul Thomas Anderson em seus trabalhos. O diretor Pablo Trapero, em sua técnica minimalista, não lhe fica nada a dever.
“Elefante Branco” retrata uma realidade que,
para nós brasileiros, se mostra próxima e extremamente passível de
identificação, aqui, entretanto, sob o prisma desigual de um cinema arrojado e
potente. Os protagonistas do filme são dois homens diante de sua jornada; ainda
não sabemos, mas, para um, tal jornada está para se encerrar, e para outro, ele
está só começando. São eles, o Padre Julián (Ricardo Darín, magnífico) e o
Padre Nicolás (Jéremie Renier, de “O Amante Duplo”). O caminho dos dois se
cruza quando Julián resgata Nicolás, um missionário europeu, de um dos
eventuais perigos mortais nas selvas sul-americanas, apinhadas de dissidentes
políticos e executores cruéis –esse trecho, aliás, se sucede no prólogo
mencionado. Das garras da morte –da qual não escapou sem alguns traumas
emocionais e morais severos –Nicolás vai para o centro urbano da Argentina onde
o Padre Julián toca sua paróquia fixada no coração nervoso de uma favela em
polvorosa.
Lá há criminalidade e rixas frequentemente
mortais entre as facções da vez. Lá, há também o auxílio altruísta da
assistente social Luciana (Martina Gusman, que fez par com Darín em “Abutres”,
dirigido também por Trapero, de quem é esposa), e lá há o assim chamado
Elefante Branco –um prédio descomunal cuja construção interrompida diversas
vezes, jamais foi concluída. Um lamentável fato que converteu o prédio, ao
longo das décadas, numa espécie de refúgio para toda sorte de párias,
desabrigados, viciados e marginais.
O papel do Padre Julián é equilibrar-se como
pode entre as disputas territoriais das quadrilhas locais, que aliciam meninos
da favela o tempo todo, e tentar prestar assistência aos moradores
necessitados, enquanto procura obter recursos do governo, em parte para a
continuidade das obras que poderão transformar o Elefante Branco num complexo
de moradia para todos –um sonho distante que a árdua, perigosa e cruel realidade
torna cada vez mais distante.
Mais do que apenas exercer seu papel de
sacerdote a zelar por todos, de pacificador a reger uma tênue e instável trégua
na comunidade, de figura paterna a instruir os meninos para que não cedam ao
vício fácil que os instiga a cada esquina, o Padre Julián sonha também em
instruir o Padre Nicolás para, quem sabe, substituí-lo algum dia, afrente da
paróquia –o Padre Julián tem uma doença terminal –mas, o Padre Nicolás tem seus
próprios problemas, entre eles, a convicção facilmente abalada de seu ofício,
que sofre um forte questionamento quando seus sentimentos por Luciana começam a
ficar mais profundos.
Primoroso em inúmeros aspectos técnicos e
artísticos, “Elefante Branco” é um retrato
pulsante, periclitante, e prodigiosamente cinematográfico de celeumas
sociais nada estranhas no nosso Brasil, composto de manejos narrativos dignos
de Primeiro Mundo. É urgente e magistral como “Cidade de Deus”, alarmante e
poético como “Pixote-A Lei do Mais Fraco” e ainda dá-se ao luxo de expor
elementos originais em conjunção com sua bem-acabada dramaturgia como as
sequências tensas e extenuantes onde são evidenciados os efeitos terríveis da
combinação caótica entre políticas sociais ineficazes, desabrigados em
desespero e truculência policial sem freios morais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário