Mais uma obra magnífica do cinema argentino, “Abutres” extrai a brilhante trama que alberga seu minucioso roteiro das estatísticas alarmantes que envolvem o número de mortos em acidentes automobilísticos na América do Sul em geral e na Argentina em particular. O número de vítimas, afirmam os créditos iniciais, atinge a casa dos milhões por ano, e com o tempo, o sistema corrupto propiciou o nascimento de toda uma máfia organizada em torno das indenizações milionários cobradas às seguradoras.
Funciona assim: As vítimas têm seus danos
físicos e morais ressarcidos em juízo, por firmas oportunistas de advogados. As
indenizações são pagas aos familiares ou aos próprios acidentados, quando
sobrevivem, mas numa quantia irrisória em relação ao valor real negociado em
tribunal; na maioria desses casos, os advogados embolsam 95% do dinheiro.
Entretanto, tudo começa mesmo no momento do
acidente, quando o sangue e a morte se fazem presente dando o estopim a essa
prática criminosa.
Um desses advogados é Hector Sosa, vivido com a
verve estupenda de sempre por Ricardo Darín –ele é um dos ‘abutres’; ronda os
mortos mutilados e/ou acidentados, mal esperando o corpo esfriar para entrar
com suas propostas judiciais. Às vezes –como ocorre numa das cenas iniciais
–ele está presente no momento do acidente!
É quando ele conhece a paramédica Luján
(Martina Gusman, também produtora executiva do filme). Em meio aos encontros e
desencontros do ofício –ele está sempre orbitando acidentes e postos
emergenciais, ela sempre atendendo aos chamados –eles descobrem uma atração e
tentam esboçar um relacionamento, que não deixa de logo colidir com as
diferentes posturas de ambos.
Este é basicamente o esteio moral que define do
ponto de partida do filme de Pablo Trapero: Sosa não é de todo corrupto e
mau-caráter, seus empregadores é que são, mas ele também faz vista grossa à
insensibilidade para com a perda de vidas humanas. Luján, como outros de seu
meio, sente relativo desdém pelos burocratas que rondam hospitais em busca desses
casos de indenização, e tem seus valores aos quais seguir.
Sosa almeja sair desse ciclo vicioso, desse
ambiente sórdido de paulatino desprezo e indiferença. Como advogado licenciado,
ele possui planos para deixar aquela máfia de indenizações –que se estende
desde os advogados de médio-porte, como ele, passa por policiais comprados com
propina e vai até os medalhões com contatos nos tribunais –conhecida como
‘Fundação’. Contudo, Sosa conhece Luján, e as frequentes situações que o levam
a cruzar-se com ela o fazem protelar sua partida.
A mulher que ele ama é abertamente contra os
princípios que ele emprega nesse trabalho, mas é a presença dela que o leva a
continuar nele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário