sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A Banana Mecânica


 Hoje pouco lembrado pelo público, Carlos Imperial foi uma figura ativa da cena artística brasileira entre as décadas de 1960, 70 e 80. Ator, diretor, produtor, roteirista, colunista, compositor e mais de tudo um pouco, ele atuou com relevância em jornais, TV, teatro e cinema, onde popularizou-se como um protagonista sempre mulherengo e farrista.

Datado de 1974, o filme “A Banana Mecânica” –sátira à “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, cuja referência fica só no título mesmo –foi um dos trabalhos que contribuíram para essa imagem, ainda que, em sua absoluta redundância artística, poderia ser um daqueles filmes completamente esquecidos hoje em dia, não fosse  sua exibição ocasional no Canal Brasil (onde muitas das obras de Carlos Imperial podem ser conferidas).

Lançado ainda no auge da censura militar sobre produtos artísticos em geral, “A Banana Mecânica” é um filme mais malicioso do que propriamente erótico; há muitos momentos de topless por parte das atrizes do filme, mas elas jamais tiram a calcinha, e o próprio ato sexual, num recurso muito habitual dos filmes daquele período, é encarado com descontração e diversão luxuriante, sem neuroses ou problematizações –que, na época já existiam sim, só eram providencialmente deixadas de fora pelas narrativas descompromissadas: Foi essa postura de entretenimento escapista e insinuante, cheio de humor popularesco e despido de engajamento que passou a ser chamado de pornochanchada.

Entretanto, a produção de Carlos Imperial, dirigida por Braz Chediak (de “Bonitinha, Mas Ordinária”) é infinitamente mais leve e inofensiva do que obras bem mais erotizadas e sexualizadas que foram vindo depois. Imperial interpreta o Dr. Ferrão, um analista que, em alguns momentos, parece lembrar o icônico personagem Analista de Bagé, das tiras de jornal de Luiz Fernando Veríssimo.

Ferrão é mulherengo e não perde um rabo de saia de vista, ainda que sua obsessão seja mesmo a própria noiva, Cristina (a gatinha Rose Di Primo), que até então ele não levou para a cama. A razão: Pudica, Cristina freia os avanços de Ferrão com o argumento de que só se entregará a ele depois do casamento.

Enquanto esse dia tão sonhado não chega, Ferrão aproveita seu ofício para fazer análises de lindas mulheres –modelos que desfilam na butique localizada no andar de baixo de seu consultório, da qual Ferrão é sócio –e convencê-las a ir para a cama (!). Entre essas mulheres está a própria tia de Cristina (Nélia Paula), cujo marido, Cornélio (Felipe Carrone), colocou um detetive cheio de manias (Ary Fontoura) atrás dela a fim de flagrar suas sem-vergonhices com Ferrão.

A despeito do físico rechonchudo, Ferrão atrai muitas mulheres –como fica claro na cena da corrida na praia –e (pasmem!) até alguns homens: Um de seus pacientes é um caricato homossexual, cujos faniquitos afeminados devem ser ‘curados’, na trama, pelo safado doutor que lhe impõe, como ‘terapia’, o bordão repetido à exaustão, “Eu gosto de mulher! Eu gosto de mulher!”; um exemplo claro do trato machista e politicamente incorreto que o cinema de então dava à essa e a muitas outras questões, inclusive a volatilidade para com o adultério em oposição ao matrimônio: No filme, o protagonista é absolutamente isentado de suas seguidas escapadelas com diferentes mulheres (o fio condutor, afinal, da narrativa) e esse detalhe não apenas é referendado, tornado banal na narrativa, como também é tão compulsivo que chega a ser episódico.

Menos mal que, no desfecho, há uma espécie de equilíbrio de libertinagem, quando numa orgia às escuras, Ferrão coloca pacientes mulheres e homens para um interlúdio sexual às cegas dentro de vários quartos de um hotel –tudo com pretextos psicanalíticos pra lá de esfarrapados –incluindo aí o tal paciente homossexual citado acima, quando Ferrão crê que finalmente ele será curado. Eis que então, convencida por outras opiniões, a virginal Cristina decide participar dessa tal terapia do noivo e acaba infiltrando-se entre os pacientes mascarados. Dotado de capacidade premonitória que só um roteiro maniqueísta e redundante é capaz de dar, Ferrão ‘adivinha’ a presença de Cristina no local, e resolve procurá-la de quarto em quarto, promovendo grande confusão; termina encontrando-a no quarto com o homossexual, cujo ‘desvio’ foi curado –ele virou ‘homem’! –às custas da virgindade da noiva do protagonista (!).

Escolha deliberada pela grosseria em prol do refinamento, “A Banana Mecânica” é, como inúmeras obras do filão a que pertence, prisioneira do próprio tempo (do início ao fim, por exemplo, são irrisórias e desconcertantes as gírias cariocas do período), limitada à torções morais que, longe de escandalizar, a fazem irrisível, e uma clara vitrine do humor pernicioso que contaminou a realização nacional dos anos 1970, para o bem e para o mal.

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