Um dos últimos trabalhos a nascer da mente fervilhante e inquieta do diretor Terry Gilliam, “O Teorema Zero” pode ser enxergado como uma tentativa de reedição de sua obra “Brazil-O Filme”, no qual ele também contemplava um protagonista às voltas com as imponderabilidades da vida, da mente e da existência, inserido num futuro fútil, esquisito e alegórico.
Escrito por Pat Rushin, o roteiro tem uma
assombrosa identificação com os conceitos de abstração, loucura e escatologia
metafísica que Gilliam se permitiu revelar em seus projetos mais audazes e
autoriais. Mais até: “O Teorema Zero” é, possivelmente, a obra na qual Gilliam
mergulha com mais afinco nas inquietações insolúveis e inacreditáveis que lhe
orientavam como artista; em grande medida, isso significa que tentar encontrar
um sentido em toda a anarquia que se manifesta na tela pode ser um esforço vão.
Também produtor, o ator Christoph Watz vive o
protagonista Qohen Leth; com a cabeça (e as sobrancelhas!) toda raspada, e
morador de uma igreja abandonada convertida em apartamento (!), Qohen é o
típico personagem alienado, com um pé na loucura e outro na esquizofrenia, que
Gilliam tanto aprecia; o maluco que expressa a maluquice do mundo ao seu redor,
num ato de rompimento com o sistema ao atrever-se a adquirir um mínimo de
lucidez.
Qohen trabalha numa empresa de nome Mancon,
controlada pelo aparentemente onisciente Gerente (Matt Damon, em uma ponta de
luxo), na qual sua função é, como ele mesmo diz, “processar entidades” (!?).
O que vemos Qohen realmente fazer é trabalhar
arduamente na tela de um computador tentando completar uma espécie de
quebra-cabeças 3D que é também uma equação matemática –parece ser a solução
visual de Gilliam para o tal ‘teorema zero’, uma espécie de enigma para o mistério
da vida, do qual o protagonista se incumbe, e cuja tentativa de ressolução
ocupa cada hora de seus dias.
Qohen padece de todos os tipos de fobia –como
fica patente nas conversas destrambelhadas com sua psiquiatra online (Tilda Swinton) –e não deseja ter
de ir até a empresa trabalhar, preferindo fazê-lo recluso dentro de sua casa, o
que deixa seu supervisor (David Thewlis, de “Cruzada” e “Harry Potter e O Prisioneiro de Askaban”) de ânimos acirrados. Numa festa na casa desse mesmo
supervisor, à qual ele comparece meio que forçadamente, Qohen tem um encontro
com a descontraída e sexy Bainsley (a deliciosa Mélanie Thierry, de “A Lenda do
Pianista do Mar”) que, sem mais nem menos, passa a frequentar sua casa, na
forma de uma fantasia erótica que se torna real.
Qohen ganha também a companhia de Bob (Lucas
Hedge, de “Boy Erased”), o jovem filho do gerente tornado estagiário da empresa
que, pouco a pouco, se torna seu amigo.
Durante esses percalços –que vão se estendendo
ao longo de anos –Qohen aguarda obstinadamente por uma ligação que recebeu numa
madrugada, e a qual, por descuido, acabou perdendo a conexão. Essa ligação, ele
acredita piamente, trará uma voz feminina e transcendental, que lhe dirá, por
fim, o sentido de sua própria vida, fazendo toda a tristeza, desesperança e
angústia pelo qual passou ter um significado.
Em meio à essa trama amalucada que simula um
certo despertar do personagem principal, o diretor Terry Gilliam dispõe pistas
acerca da reflexão que ele quer levantar, entretanto, seja de propósito ou de
desleixo, essa reflexão nunca fica clara: Seria uma dissertação sobre o nosso
vazio existencial? Um conto sobre o tempo que desperdiçamos com questionamentos
que jamais nos preencherão por completo? Ou uma angustiada (ainda que
ocasionalmente humorada) observação da eterna ausência de respostas para nossas
dúvidas metafísicas?
As referências de Terry Gilliam aos seus
trabalhos passados são manifestas –além do já citado “Brazil-O Filme” temos a
oposição entre medo e amor de “O Pescador de Ilusões”, a percepção alucinatória
que engole protagonista e coadjuvantes em “Medo e Delírio em Las Vegas”, a
busca idealizada por uma ilusão em “Os Doze Macacos”, e a devoção a uma rotina
sem sentido de “Contraponto” –e em seu ressonante significado junto à filmografia
tão incomum desse realizador, elas apontam um compêndio e um testamento de
loucuras megalomaníacas, desvarios convertidos em imagens e um tratado visual
onde o cinema não conhece e não deve conhecer limites.
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