quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Alguém Muito Especial


 Nos anos 1980, John Hugues especializou-se em obras onde a adolescência era investigada com profundidade; esse talento, logo revelado incomum, manifestou-se para fins mais práticos e comerciais, em divertidas comédias que fizeram a alegria dos expectadores daquela época –“Gatinhas e Gatões”, “Mulher Nota 1000”, “Curtindo A vida Adoidado” e outros –mas, vez ou outra, Hugues, fosse como diretor, produtor ou roteirista, enveredava também pelo drama, como é o caso neste interessante “Alguém Muito Especial”.

Seu protagonista, Keith Nelson (Eric Stoltz), é o típico personagem que interessava a Hugues: O jovem incerto quanto ao seu destino adulto, sensível, deslocado no universo estudantil a que pertence, às voltas com amores juvenis e embevecido da vontade de fazer a diferença.

Keith trabalha num posto de gasolina, e foge arduamente da inevitável conversa séria com o pai (John Ashton, de “Um Tira da Pesada”) acerca de qual universidade irá cursar já que está no último ano do colegial. Ele tem como melhor amiga Watts (Mary Stuart Masterson), garota metida a tomboy que toca bateria, trabalha de mecânica e tem uma atitude toda descolada; outra personagem que também é muito interessante à John Hugues.

Na escola em que ambos cursam, há também a bela e popular Amanda (Lea Thompson, de “De Volta Para O Futuro”), namorada do esnobe e arrogante Hardy (Graig Sheffer, de “Nada É Para Sempre”). E, como acontece com todo garoto do lugar –aliás, com todo garoto num filme adolescente dos anos 1980! –Keith se apaixona por ela, a ponto que tentar criar subterfúgios imaturos para encontrá-la: Ele chega a provocar sua ida para a sala de detenção –cenário precioso ao cinema de John Hugues, vide o seu clássico “Clube dos Cinco” –apenas para encontrá-la lá, mas tudo o que consegue é ficar na companhia dos desajustados locais (liderados por um jovem Elias Koteas).

Entre flagras ocasionais das infidelidades de Hardy, Keith acaba por convidar Amanda para um encontro; o que, como forma de atingir o namorado presunçoso, ela aceita. Curiosamente, a narrativa de Hugues (aqui roteirista) conduzida com uma propensão maior à seriedade e à melancolia pelo diretor Howard Deutch (de “A Garota de Rosa-Shocking” também escrito por Hugues), não constrói um romance a partir dessas peças: Os encontros entre Keith e Amanda são, quando muito, homeopáticos e elípticos; o filme parece interessado em mostrar mais a mobilização da escola em torno do acontecimento. Um dos garotos desajustados a convidar para sair uma das garotas mais populares do lugar!

Assim, vemos os esforços rancorosos de Hardy em estragar a noite iminente do novo casalzinho; as amigas de Amanda reagindo com  mesquinhez e imaturidade (e com uma postura politicamente incorreta que causaria repúdio nos dias de hoje); e, sobretudo, a preocupação desmedida de Watts para com Keith que, na opinião dela, certamente terá seu coração partido, o que já deixa bastante evidente (exceto para o próprio Keith) que a garota o ama.

Essa manobra do mais translúcido romantismo –que Hugues extraiu parcialmente do clássico “Cyrano de Bergerac” –é outro elemento que povoa com bastante assiduidade sua filmografia, e encontra seu momento mais inspirado e superlativo na cena em que Watts convence o algo ingênuo Keith de que, a fim de não passar vexame numa provável troca de beijos com a experiente Amanda, eles se beijem ali, na oficina mesmo, para ‘treinar’...

É uma ciranda de paixões adolescentes que desperta visível fascínio em seu realizador, uma vez que ele dedica imenso zelo na construção dessa expectativa em torno da aguardada noite –que ocupa os vinte minutos finais do filme. Lá, Watts servirá de chofer para Keith e Amanda durante toda sua planejada noite romântica. E que culminará na ida para a festa na casa de Hardy, o que Keith sabe ser uma espécie de cilada, mas que ele está mais que disposto a comparecer.

É possível que, no tratamento muitas vezes empostado e até constrangido de inúmeros momentos e na pouca desenvoltura para o humor que demonstra, o trabalho do diretor Howard Deutch aqui tenha encorajado muito John Hugues a assumir cada vez mais a direção de seus próprios projetos, uma vez que, na comparação com outras obras de Hugues, “Alguém Muito Especial” traga uma vibração mais melodramática, cadenciada e parcimoniosa do que os filmes bem mais inquietos, descontraídos e irônicos que ele entregou.

Ainda assim, sua mescla sensível de drama adolescente, romantismo e discussão existencial acerca de sentimentos tão universais tornou-se uma das mais acarinhadas produções dos anos 1980 pelo público jovem que a conferiu.

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