Eis aqui o grande clássico da filmografia de
John Hugues que dedicou seu talento durante boa parte dos anos 1980 à explorar
as minúcias e angústias da vida adolescente, com um verniz de leveza e certa
fantasia que casava muito bem com o estilo daquela década (vide "Clube dos
Cinco" ou "A Garota de Rosa Choking").
Para a sorte de Hugues, ele também pode
exercitar sua imaginação num período onde a patrulha do politicamente correto,
se existia, não podava lampejos de inspiração que vinham acompanhados de um
mínimo de subversão, pois, embora não aparente, “Curtindo A Vida Adoidado” não
deixa de ser um filme sobre um adolescente enaltecido e elevado à categoria de
herói de cinema unicamente pela iniciativa de gazear aula com um repertório de
planos e estratégias que impressionariam o Danny Ocean de “Onze Homens e Um Segredo” (!), tudo isso, antagonizado por uma instituição escolar que surge
retratada ora como um local de desengonçada apatia (a fauna caricata de professores
bisonhos é um espetáculo à parte), ora como um reduto de vilania arquetípica (o
diretor da escola magnificamente vivido por Jeffrey Jones é um dos mais
hilários vilões do cinema).
Fosse planejado e realizado nos tempos de hoje,
jamais um filme como este seria aceito no circuito comercial –e, talvez seja
exatamente por isso (além de sua qualidade e inspiração um tanto difíceis de
equiparar) que “Curtindo a Vida Adoidado” jamais tenha ganhado uma continuação
ou uma refilmagem numa época em que Hollywood explora todas as obras cultuadas
possíveis para delas extrair algum pálido derivado.
Personagem icônico da década de 1980 (ombreando
com Marty McFly de “De Volta Para O Futuro”), o adolescente Ferris Buller
(vivido com pomba e circunstância por Matthew Broderick) resolve gazear aula
mentindo aos pais que está doente levando consigo a namorada (Mia Sara, uma
delícia) e seu melhor amigo Cameron (Alan Ruck).
Entretanto, na concepção extravagante de
Ferris, matar aula não é um ato convencional. Ele o faz em grande estilo: Leva
"emprestado" o porsche de estimação do pai do amigo; engana o
tirânico diretor da escola com artimanhas sofisticadíssimas; e faz um tour pela
cidade toda, com direito a uma antológica cena quase videoclip, em que põe toda
uma parada para cantar e dançar ao som de "Twist And Should" dos
Beatles.
Como em alguns de seus melhores trabalhos (e
alguns de seus mais irrelevantes, também...), Hugues emprega uma técnica
cinematográfica cuidadosa, detalhada, algo fantasiosa, e na opinião de muitos,
exagerada em virtude da caracterização de elementos frequentemente banais
–aqui, por exemplo, uma corrida para chegar em casa antes dos pais ganha ares
de uma insana perseguição cinematográfica.
No entanto, Hugues é brilhante em outros
aspectos: Apesar da contundente intenção de divertir, ele atinge um momento em
que as vindouras responsabilidades da vida adulta pesam sobre Ferris Bueller e
seus amigos –e as trata com propriedade, sobretudo, o impasse que pesa sobre
Cameron ao final, levando-o a criar coragem para confrontar a avareza do
próprio pai.
A relação entre Ferris e Cameron, inclusive
–trabalhada com minúcia e riqueza em todo o filme –deu margem para uma
interessante teoria elaborada pelos fãs ao longo dos anos, segundo a qual,
Ferris seria uma espécie de identidade alternativa criada pelo próprio Cameron
que, inseguro e tímido, desenvolveu uma persona exuberante, cheia de iniciativa
e auto-confiança; dessa forma, os dois, que são vistos como uma dupla de
melhores amigos, seriam, na realidade, duas personalidades opostas do mesmo
indivíduo –algo como os personagens de Edward Norton e Brad Pitt em “O Clube da Luta”.
Haja ou não procedência nessa teoria incrível
(e mirabolante), “Curtindo A Vida Adoidado” tem uma série de méritos muitos
verdadeiros e inquestionáveis. Um deles: É dono de uma das primeiras (e
melhores) cenas pós-créditos do cinema –devidamente homenageada em “Deadpool”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário