O saudoso diretor Mike Nichols sempre teve uma versatilidade desigual, essa capacidade, somada ao talento para sintonizar as sutilezas da atuação (oriundo de sua formação teatral) ajudou a moldar inúmeros projetos singulares que compõem a sua filmografia. Nela, há de tudo um pouco. Das raras comédias a concorrer à prestigiada estatueta de Melhor Filme na cerimônia do Oscar 1989 (prática que infelizmente perdura até hoje), “Uma Secretária de Futuro” é um título que se destaca: Por sua simpatia perene junto ao público que tornou-o um sucesso de bilheteria; pela escolha espetacular, primorosa e espirituosa de intérpretes, todos perfeitos (algo no qual Nichols era craque); e pela junção adequada, funcional e certeira de elementos, tais como um bom roteiro, boas atuações e uma ótima direção.
Interpretada com fulgor fora do comum por
Melanie Griffith (uma atriz com algo de alternativo que, na época, dificilmente
seria uma escolha convencional para um papel como este), Tess McGill é uma das muitas
assalariadas que luta por ter lugar ao sol na disputada (e machista) Nova York
da década de 1980. Todos os dias, ela pega a balsa que a leva da suburbana Nova
Jersey –onde tenta levar uma vida doméstica, pacata e pretensamente
estabelecida ao lado do noivo (Alec Baldwin) –para a competitiva e inclemente
Manhattan, onde estão os tubarões corporativistas da bolsa de valores que
normalmente atuam como seus patrões; Tess é secretária.
Um deles (Oliver Platt) não tarda a lhe
preparar uma armadilha: Julgando ser uma entrevista de emprego para um cargo
melhor, Tess acaba na limusine de um executivo disposto à seduzí-la –uma ponta
de um ainda desconhecido Kevin Spacey, da época em que atuava mais como
comediante. Como pedir demissão na situação financeira de classe média-baixa em
que vive é um risco e tanto, Tess tem consciência da urgência em arrumar outro
ganha-pão. E ela julga que sua sorte pode finalmente mudar quando começa a
trabalhar para a empoderada e discursivamente encorajadora Katharine Parker
(Sigourney Weaver, afiadíssima) –afinal, com uma mulher como chefe, imagina
Tess, as chances de crescer profissionalmente se tornam reais, longe da
indulgência tipicamente masculina, não é mesmo?
Contudo, não é exatamente isso que acontece: Ao
sugerir uma ideia bastante original e arguta que teve para Katharine –a de
investir, não em emissoras de TV, no ramo de propaganda, mas em emissoras de
rádio, por conta dos valores e das complexidades de negociações serem
infinitamente mais razoáveis –Tess descobre que Katharine tentou lhe passar a
perna. Durante uma tumultuada semana em que Katharine sofre uma fratura andando
de esqui, Tess fica sabendo que ela lhe roubou a ideia e iniciou negociações
preliminares com um tal de Jack Trasker (Harrison Ford, no auge de sua fase
galã). Ao aproveitar-se da ausência de Katharine para passar-se por uma das
acionistas a fim de conduzir a negociação, Tess inicia uma relação profissional
promissora ao lado de Jack, que acaba progredindo para uma relação mais íntima
também –e em ambos os casos, Tess sabe que terá a competição acirrada e desleal
de Katharine.
A narrativa que Mike Nichols constrói em “Uma
Secretária de Futuro” é, até hoje, pra lá de saborosa: Não apenas ele faz uso
imodesto dos elementos de comédia romântica presentes na trama (os encontros e
desencontros entre Tess e Jack são simultaneamente deliciosos de se acompanhar)
como também se vale de um expediente muito comum em obras graciosas dos anos
1980, onde um, ou uma, protagonista finge, por razões até que nobres, guardadas
as proporções, ser aquilo que não é, e cria toda uma farsa a um só tempo
divertida e tensa com data de validade para terminar (pois, mentira, apesar dos
pesares, ainda tem perna curta!), premissa que funcionou para as mais
diversificadas produções como “Tootsie”, “Quase Igual Aos Outros”, “Um Príncipe Em Nova York”, “Tocaia” e tantas outras, aliado a isso, ele ainda elabora uma
observação contundente, envolvente e cheia de propriedade, do competitivo
mercado de trabalho yuppie dos anos
1980, amparada numa personagem principal cheia de iniciativa, pioneira das
personagens femininas a se posicionar com independência e auto-afirmação
perante os homens em um universo predominantemente masculino.
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