quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Tocaia

“Stakeout” –seu título original –é uma deliciosa mescla de filme policial, comédia e romance em grande parte porque seu diretor, John Badham (um artesão assíduo durante os anos 1980 e 90), resistiu ao impulso óbvio de escolher atores de ação para interpretar seus personagens e optou por escolher atores expressivos que dessem conta de facetas variadas do filme.
Por isso, pode parecer estranho inicialmente ver Richard Dreyfuss como o personagem principal, Chris, um policial desafortunado largado pela esposa e assolado por uma má sorte generalizada em sua profissão.
Ao lado de seu parceiro Bill (Emilio Estevez, outra escolha ótima e desigual), Chris recebe a missão de realizar uma tocaia em frente à residência da ex-namorada de Stick Montgomery (Aidan Quinn), um perigoso bandido que escapou da penitenciária –na arrojada seqüência que abre o filme.
Chris e Bill encarregam-se do turno da noite, enquanto que seus competitivos colegas (vividos por Forest Whitaker e Dan Lauria, da série “Anos Incríveis”) vigiam a casa no turno do dia (e esse detalhe abre espaço para hilárias pegadinhas que as duplas passam umas às outras –a veia cômica de Dreyfuss e Estevez é plenamente aproveitada!).
Mas, eis que a moça vigiada em questão, Maria (a estupenda Madeleine Stowe), vem a ser uma tremenda gata!
Os encontros absolutamente casuais entre ela e Chris (primeiro, ele vai, disfarçado, instalar uma escuta no telefone dela, depois, eles se cruzam num mercado) começam a gerar, pouco a pouco uma atração irresistível que o pobre e desafortunado Chris –assim como Bill, incluído de gaiato nessa encrenca –precisa rebolar para tentar ocultar do departamento de polícia.
Não muito lembrado entre os clássicos dos anos 1980 como o filme saborosíssimo que é –pelo menos, não tão lembrado quanto outros, associados com mais freqüência àquele período –“Tocaia” é um divertimento onde todas as facetas do entretenimento vêm bem representadas e preenchidas: Há graça genuína em seus momentos cômicos; a platéia é levada a vibrar e a torcer pelos desenlaces românticos; tem-se um frenesi dosado e calibrado nas vertiginosas cenas de ação; e há suspense real e aflitivo nas cenas de tensão.
Todos esses quesitos da narrativa de Badham funcionam bem porque, quando eles nos são entregues, já estamos cativados pelos personagens, nos importando verdadeiramente com o que ocorre a eles –detalhe fundamental para embarcar na diversão do filme. Essa empatia inesperada só é possível pela presença de atores incomuns ao gênero que contribuem não com desenvoltura física, mas com um insuspeito calor humano.
Eis aí, de repente, o segredo do largo sucesso de bilheteria que “Tocaia” conquistou à sua época: O poder de fazer o público se identificar com cada uma das peripécias de seus personagens.

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