quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Coração Louco

Já era tempo mesmo de alguém dar um Oscar a Jeff Bridges. Eis que ele veio por este esforço quase estóico de caracterização que registra bem o empenho autêntico que ele é capaz de dedicar a um personagem: Como Bad Blake, um compositor country, outrora famoso, mas em fase já decadente, Bridges é de uma excelência carregada de deliciosas particularidades.
O filme segue o ritmo da vida de artista de Blake –vagando de cidade em cidade, em apresentações claudicantes. Pegando senhoras de meia-idade que dele ainda lembram. A fama e o sucesso já soam como algo distante, resignado ao passado. O dinheiro que entra (cada vez menos) mal dá para comprar o uísque que ele consome (cada vez mais) e a perspectiva de um fim de vida confortável proporcionado por sua música já é mais um sonho do que uma realidade.
Nessa rotina inconseqüente e entorpecedora, duas presenças desestabilizam o desgosto normal que ele nutre por tudo: Uma, a jovem jornalista Jean (Maggie Gyllenhaal) que, ao entrevistá-lo, descobre uma sintonia que culmina em um envolvimento –e tal novidade é, para Blake, não apenas um turbilhão de inspiração, mas também uma chance de se desvencilhar do pessimismo –a outra, é o pupilo Tommy Sweet (Colin Farrell) que desponta como cantor de “novo country” de imenso sucesso, cujos encontros com Blake chegam a pulsar de ressentimentos, afeto, compatibilidade e incompreensão.
Há manobras narrativas absolutamente típicas do cinema independente norte-americano neste filme singelo, inspirado e dolorido sobre as ressalvas da vida, numa vibração que corresponde à tristeza das melodias country que mostra. Lembra muito um belo trabalho dos anos 1980, “A Força do Carinho”, com Robert Duvall que, não por acaso, aqui surge num essencial papel coadjuvante, além de atuar como produtor.

É um trabalho admirável na maneira quase orgânica com que as músicas concebidas na trilha sonora (toda ela de autoria do premiado T. Bone Burnett que musicou também “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?”, dos Coen), bem como sua composição e execução –e, não raro, o significado implícito em sua letra –têm direta relação com os lances dramáticos do roteiro. Nesse sentido, essa interação primorosa entre fluidez musical e narrativa cinematográfica responde por um dos pilares da obra. O outro é certamente a atuação refinada e despojada de Jeff Bridges (que, de fato, cantou as músicas de seu personagem) dando à este filme amargo e lírico uma autenticidade que amplia seu efeito deslumbrante no expectador.

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