Branca de Neve e Os Sete Anões
O primeiro longa-metragem de animação de Walt
Disney, “Branca de Neve...” impressiona até hoje por, entre outras coisas, ser
ainda considerado por muitos, o melhor.
Podemos apenas imaginar como deve ter sido o
assombro e o maravilhamento de platéias inteiras na época de seu lançamento,
quando foram presenteados com uma obra animada sem precedentes; Pois é isso que
“Branca de Neve...” é, um produto de arte da tal maneira refinada que estava,
em diversos aspectos, a frente de seu tempo: Técnicas como a animação em três
telas justapostas –que garantia um efeito de foco que simulava a câmera real e
permitia a elaboração de incríveis proezas óticas –só foram assimiladas pela indústria
muitas décadas depois.
Branca de Neve é a mais bela do reino em que
vive. Essa realidade, entretanto, é demais para ser aceita por sua madrasta
malvada que, orientada por seu espelho mágico, ordena que um caçador a mate na
floresta. O homem a desobedece, poupando Branca de Neve que, fugitiva, encontra
refúgio numa casa de pequenas proporções em meio à floresta. Ela pertence a
sete anõezinhos que moram nela e trabalham numa mina próxima. Eles acolhem
Branca de Neve ao chegarem em casa e achá-la dormindo sobre a cama. Mas, a
notícia de que Branca de Neve ainda vive enfurece sua madrasta a ponto dela
transformar-se numa bruxa hedionda e planejar matá-la, valendo-se do artifício
de uma maçã envenenada.
Histórias Que Nossas Babás Não Contavam
Era inevitável –como tudo o mais –que o enredo
rendesse lá um ou outro filme erótico (e devem existir centenas!), mas eis que
a história do conto de fadas acabou inspirando aquele que é lembrado como um
dos melhores e mais apreciados exemplares do nosso infame subgênero de
pornochanchadas!
Num mundo fictício cuja galhofa só poderia
mesmo existir num filme nacional dos anos 1980, a princesa Clara das Neves (a
deliciosa Adele Fátima que, num contraste malicioso e divertido com a
personagem do conto de fadas, é uma mulata das mais charmosas, belas e
voluptuosas) se torna rapidamente um empecilho para a rainha má (Meiry Vieira),
inclusive lhe tirando o favoritismo do príncipe (Denis Derkian) como o rabo de
saia real mais cobiçado do pedaço (!). Ao confabular com o afeminado e
petulante conselheiro fantasma (!) que mora em seu espelho mágico (vivido por
Renato Pedrosa), a rainha resolve incumbir um caçador de matá-la em plena
floresta.
Primeiro, o caçador (uma participação
simplesmente hilária do comediante Costinha) se esbalda nos encantos sexuais de
Clara das Neves, e depois –talvez, por gratidão à ela! –deixa que ela fuja para
a floresta onde encontra uma casa habitada pelos sete anões.
Dos sete, seis deles ficam extremamente
satisfeitos (maravilhados seria a palavra mais apropriada!) em ter uma mulher
absurdamente esplêndida –e que fica nua a cada cinco minutos por qualquer
razão! –morando em sua casa. O único anão que não concorda com a idéia, Zangado
se sente protelado pelos demais que agora têm uma mulher de verdade para acariciar
(!?!).
A divertida seqüência em que os anõezinhos vão,
um a um, entrar no quarto onde Clara das Neves dorme pelada, e se fartam dela,
um de cada vez, é simplesmente antológica!
Produzido por Aníbal Massaini Neto e dirigido
por Osvaldo de Oliveira, “Histórias Que Nossas Babás Não Contaram” cai na
possível situação onde poderia –na distorção tão descarada que faz da história
original –ter supostamente estragado a infância de muita gente, contudo, sua
malícia empregada na medida certa, sua chacota irresistível e seu bom humor até
hoje saboroso e, sobretudo, o apelo sexualmente inquestionável da bela Adele
Fátima o tornam um exemplo perfeito do que foi (ou do que deveria ter sido) o
subgênero das pornochanchadas.
Floresta Negra
Numa das mais admiráveis versões já realizadas
na história, a Madrasta Malvada (aqui batizada de Claudia) ganha expressão na
competência à toda prova de Sigourney Weaver, em um filme que se debruça sobre
os meandros complexos na relação de Branca de Neve e sua madrasta –que, na ambigüidade
e na proposta dramaticamente rica da direção tem um belo arco narrativo que
justifica o fato dela ser tão malvada assim.
O diretor Michael Cohn reavalia o conto dos
Irmãos Grimm sob um prisma macabro, fatalista e sombrio vislumbrando as
fissuras irremediáveis entre os relacionamento das duas antagonistas
–basicamente, as únicas personagens que permaneceram intocadas nesta versão.
Branca de Neve é assim chamada Liliana (a jovem
Monica Keena, de “Freedy X Jason”), e seu pai, Lord Hoffman (Sam Neil) casa-se
com Claudia sobre quem já pesou a suspeita de práticas de bruxaria –a trama se
ambienta no Período das Cruzadas, quando discussões e reflexões acerca do que
era misticismo e religião estavam relativamente em voga.
Quando o pai da jovem falece cabe à Claudia e
Liliana estabelecerem um consenso entre suas divergências, mas, à medida que a
jovem cresce –e afloresce não apenas sua beleza, mas também sua rebeldia e
impetuosidade –as diferenças entre ela e sua madrasta adquirem um desequilíbrio
ainda maior, e mais perigoso.
Em fuga pela famigerada Floresta Negra, Liliana
encontra refúgio em meio aos parias que se escondem na floresta de toda sorte
violenta de discriminações alheias: Não, não são os sete anões, mais sim um
grupo de lenhadores deformados –entre eles, o jovem Will (Gill Bellows, de “Um
Sonho de Liberdade”) que assume a função de interesse romântico na ausência
deliberada de um providencial príncipe encantado.
Essa necessidade enfática de afastar-se do
caráter lúdico do conto e abraçar um viés realista só encontra alguns percalços
prejudiciais no trecho final, quando alguns artifícios do roteiro se mostram
bem menos inspirados no momento de seu desfecho do que o eram em seu ponto de
partida.
Branca de Neve (ESP)
Transpondo o conto dos Grimm para a Espanha no
que parecem ser meados dos anos 1920, o diretor Pablo Berger esbanja ousadia e
personalidade ao converter o filme num exemplar com todos os cacoetes e
características do cinema mudo –a exemplo do oscarizado, “O Artista”.
Este “Branca de Neve” se passa em Sevilha onde
um grande toureiro (Daniel Gimenez Cacho), além de ser atingido por um touro –o
que lhe imobiliza o corpo –tem também a esposa falecida durante o parto,
restando-lhe assim somente a filha pequena. Como fica bem claro nesse prólogo,
esta nova e audaciosa versão é de uma dramaticidade sem fim.
O toureiro, apesar de sua condição, logo irá
desposar sua própria enfermeira, Encarna (Maribel Verdú, de “E Sua Mãe Também”
e “O Labirinto do Fauno”) –de olho na fortuna do famoso toureiro –o quê a torna
madrasta da filha pequena dele, Carmen (que, ao crescer, ganhará as formas da
bela Macarena García).
A vida de Carmen será assim se submeter às
crueldades de Encarna: Morando na mansão que ela rege depois do falecimento de
sua avó, a jovem testemunha o pai ser confinado e esquecido dentro de um quarto
enquanto a madrasta estabelece uma violenta relação com o chofer.
Carmen aprende com o pai suas prodigiosas
técnicas de tourada, o quê só aumenta o ódio de Encarna por ela que, em algum
momento, sugere que o chofer a mate.
Ao fugir disso tudo, Carmen termina perdida (e
sem memória) numa floresta onde encontra (desta vez) seis diminutos toureiros,
os anões que lhe darão o apelido de Branca de Neve –e aqui cabe, também, uma
referência ao cult “Monstros”, de Todd Browning. Eles a protegerão e cuidarão,
inclusive, quando se abater sobre ela a trágica maldição da maçã envenenada: Ao
contrário das outras versões, Pablo Berger não faz concessões a um final feliz
com o surgimento de um príncipe que quebre o feitiço –seu filme se encerra numa
angustiante cena de circo de horrores, onde o corpo imóvel e cadavérico de
Carmen (ou Branca de Neve) está à disposição de uma interminável fileira de
interessados a beijá-la, e nenhum deles sinaliza qualquer possibilidade de vir
a desfazer o encanto.
Por mais angustiante e depressivo que seja o
desfecho deste “Branca de Neve”, o mais inacreditável é que ele ainda soa ameno
e pueril perto de outra versão de mesmo nome, portuguesa, lançada no ano 2000 e
dirigida por João César Monteiro: Um filme, dizem, difícil, radical e
perturbador.
Branca de Neve e O Caçador
Com o lançamento do irregular, porém,
bem-sucedido “A Garota da Capa Vermelha” –que, por sua vez, pega carona na moda
de “Crepúsculo” –os estúdios passaram a adotar uma nova tendência: As
adaptações de contos de fadas (muitos deles materializados em animações no
passado) convertidos em filmes de apelo mais sério e mais infanto-juvenil, não
raro, com influência de outros filmes de sucesso.
Dessa forma, surgiu (pouco antes de “Malévola”,
com Angelina Jolie) este “Branca de Neve e O Caçador” –realizado pelos estúdios
da Universal e não pela Disney –como o nome sugere (e como os desdobramentos
tornam explícito), buscando uma quase reinvenção da história clássica.
Até então a adorável filha do rei, Branca de
Neve (Kristen Stewart, de “Crepúsculo”, certamente escolhida com interesse na
legião de fãs daquela saga) perde seu pai na mesma noite em que tem seu reino
tomado pela maquiavélica Ravena (Charlize Theron, numa atuação memorável). Anos
mais tarde, feita rainha e com sua beleza intocada graças ao uso constante de
magia negra, Ravena recebe a notícia de seu espectral espelho mágico de que não
é a mais bela entre as mulheres, honra que cabe agora à Branca de Neve, desde
então prisioneira na torre mais alta. Quando tentam matá-la, Branca de Neve
escapa e ruma para os confins sombrios da floresta negra, lugar que só um homem
destemido e atormentado como o Caçador (Chris Hemsworth, o “Thor” da Marvel
Studios) se atreveria a adentrar. Ele vai atrás dela sob um acordo com a
Rainha, mas decide aliar-se à Branca de Neve e ajudá-la na épica batalha pelo
reino que está por vir.
O escolhido para a direção, o inglês Rupert
Sanders, deixa bastante claras suas aspirações cinematográficas: Além dos
filmes de sucesso aos quais a escolha do elenco principal remete, seu filme
emula, em tom, visual e intenção, do início ao fim, as qualidades épicas de “O
Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson –inclusive, era Viggo Mortensen, uma de
suas escolhas iniciais para viver o Caçador!
Da trama tão conhecida e difundida pelo desenho
de Walt Disney sobrou pouco mais que o esqueleto: Se o Caçador tinha um papel
breve e irrisório no conto de fadas, aqui sua presença e importância chegam a
suplantar o príncipe encantado (Sam Claffin, de “Jogos Vorazes-Em Chamas”), e
os anões –agora oito, ao invés de sete –não são mais que um gracioso reforço
nas cenas de combate.
É um filme bonito, cujos valores de produção
são bem aplicados e eficientes em torná-lo um espetáculo charmoso, seu grande
calcanhar de Aquiles é mesmo sua atriz principal, Kristen Stewart, cuja apatia
implícita na interpretação tira um pouco do brilho que a personagem poderia
ter. A atriz, inclusive, envolveu-se com o diretor Sanders (que era casado)
durante a divulgação do filme, escândalo que comprometeu os planos para a
continuação –sugerida no final vagamente aberto –a saída do estúdio foi remover
a atriz o diretor (Sanders depois encarregou-se de realizar “Ghost In The
Shell-Vigilante do Amanhã”) tentando, um tempo depois, remodelar a produção
obtendo como resultado “O Caçador e A Rainha do Gelo” que, como seqüência
revelava-se ligeiramente irregular e incoerente.
Espelho, Espelho Meu
Lançado no mesmo ano de “Branca de Neve e O
Caçador” –e repetindo o estranho equívoco de filmes extremamente similares
lançados no mesmo período –este “Espelho, Espelho Meu”, dirigido por Tarsem
Singh Dhandwar (da aventura “Imortais”) tinha por diferencial um tratamento
escancarado de comédia.
A angelical Branca de Neve (Lilly Collins,
filha do cantor Phil Collins) está em apuros. Nutrida de inveja para com sua
beleza, a malvada madrasta (Julia Roberts, aparentemente a razão de ser deste
projeto), rainha do castelo desde a morte do pai de Branca de Neve a deseja
morta, pagando para isso os serviços de um caçador. Ao invés disso, porém,
Branca de Neve vai parar na floresta onde torna-se hóspede de sete anõezinhos.
O diretor elabora um caprichado senso visual,
repleto de cor e exuberância para esta versão em comédia do conto imortalizado
pelo desenho de Walt Disney, no qual seu principal trunfo parece mesmo ser a
escalação da estrela Julia Roberts para o vilanesco e afetado papel de Rainha
Má (cujos rompantes de divas parecem fazer alusão involuntária aos chiliques da
atriz na vida real), em contraponto a doçura e fragilidade de Lilly Collins.
Outro elemento que depõem a favor desse ‘diferencial cômico’ é o príncipe
encantado (o vistoso Armie Hammer) cuja suavidade de sua participação, a pouca
expressão na trama e a inclusão de uma vergonhosa sub-trama paralela (onde vira
um cachorro...) ameaçam transformá-lo num coadjuvante quase obsoleto.
Comédia não é um gênero
fácil em torno do qual trabalhar. O humor é um paladar complicado ao qual se
ajustar em relação ao que espera o público, e o diretor Dhandwar –notadamente
oriundo de produções sombrias (como o suspense “A Cela”) –já não tinha muita
desenvoltura nessa área, o quê fica patente aqui na desmesurada confiança que
ele deposita não na narrativa, no roteiro ou no elenco, mas no aparato amplo e
endinheirado de seu designer de produção –e essa característica, de fato, se
revela em todos os seus filmes –terminando por carregar esta versão do conto de
fadas em elementos excessivamente cartunescos, tornando o filme um trabalho
infantilizado e superficial.
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