sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Branca de Neve No Cinema

Branca de Neve e Os Sete Anões
O primeiro longa-metragem de animação de Walt Disney, “Branca de Neve...” impressiona até hoje por, entre outras coisas, ser ainda considerado por muitos, o melhor.
Podemos apenas imaginar como deve ter sido o assombro e o maravilhamento de platéias inteiras na época de seu lançamento, quando foram presenteados com uma obra animada sem precedentes; Pois é isso que “Branca de Neve...” é, um produto de arte da tal maneira refinada que estava, em diversos aspectos, a frente de seu tempo: Técnicas como a animação em três telas justapostas –que garantia um efeito de foco que simulava a câmera real e permitia a elaboração de incríveis proezas óticas –só foram assimiladas pela indústria muitas décadas depois.
Branca de Neve é a mais bela do reino em que vive. Essa realidade, entretanto, é demais para ser aceita por sua madrasta malvada que, orientada por seu espelho mágico, ordena que um caçador a mate na floresta. O homem a desobedece, poupando Branca de Neve que, fugitiva, encontra refúgio numa casa de pequenas proporções em meio à floresta. Ela pertence a sete anõezinhos que moram nela e trabalham numa mina próxima. Eles acolhem Branca de Neve ao chegarem em casa e achá-la dormindo sobre a cama. Mas, a notícia de que Branca de Neve ainda vive enfurece sua madrasta a ponto dela transformar-se numa bruxa hedionda e planejar matá-la, valendo-se do artifício de uma maçã envenenada.

Histórias Que Nossas Babás Não Contavam
Era inevitável –como tudo o mais –que o enredo rendesse lá um ou outro filme erótico (e devem existir centenas!), mas eis que a história do conto de fadas acabou inspirando aquele que é lembrado como um dos melhores e mais apreciados exemplares do nosso infame subgênero de pornochanchadas!
Num mundo fictício cuja galhofa só poderia mesmo existir num filme nacional dos anos 1980, a princesa Clara das Neves (a deliciosa Adele Fátima que, num contraste malicioso e divertido com a personagem do conto de fadas, é uma mulata das mais charmosas, belas e voluptuosas) se torna rapidamente um empecilho para a rainha má (Meiry Vieira), inclusive lhe tirando o favoritismo do príncipe (Denis Derkian) como o rabo de saia real mais cobiçado do pedaço (!). Ao confabular com o afeminado e petulante conselheiro fantasma (!) que mora em seu espelho mágico (vivido por Renato Pedrosa), a rainha resolve incumbir um caçador de matá-la em plena floresta.
Primeiro, o caçador (uma participação simplesmente hilária do comediante Costinha) se esbalda nos encantos sexuais de Clara das Neves, e depois –talvez, por gratidão à ela! –deixa que ela fuja para a floresta onde encontra uma casa habitada pelos sete anões.
Dos sete, seis deles ficam extremamente satisfeitos (maravilhados seria a palavra mais apropriada!) em ter uma mulher absurdamente esplêndida –e que fica nua a cada cinco minutos por qualquer razão! –morando em sua casa. O único anão que não concorda com a idéia, Zangado se sente protelado pelos demais que agora têm uma mulher de verdade para acariciar (!?!).
A divertida seqüência em que os anõezinhos vão, um a um, entrar no quarto onde Clara das Neves dorme pelada, e se fartam dela, um de cada vez, é simplesmente antológica!
Produzido por Aníbal Massaini Neto e dirigido por Osvaldo de Oliveira, “Histórias Que Nossas Babás Não Contaram” cai na possível situação onde poderia –na distorção tão descarada que faz da história original –ter supostamente estragado a infância de muita gente, contudo, sua malícia empregada na medida certa, sua chacota irresistível e seu bom humor até hoje saboroso e, sobretudo, o apelo sexualmente inquestionável da bela Adele Fátima o tornam um exemplo perfeito do que foi (ou do que deveria ter sido) o subgênero das pornochanchadas.

Floresta Negra
Numa das mais admiráveis versões já realizadas na história, a Madrasta Malvada (aqui batizada de Claudia) ganha expressão na competência à toda prova de Sigourney Weaver, em um filme que se debruça sobre os meandros complexos na relação de Branca de Neve e sua madrasta –que, na ambigüidade e na proposta dramaticamente rica da direção tem um belo arco narrativo que justifica o fato dela ser tão malvada assim.
O diretor Michael Cohn reavalia o conto dos Irmãos Grimm sob um prisma macabro, fatalista e sombrio vislumbrando as fissuras irremediáveis entre os relacionamento das duas antagonistas –basicamente, as únicas personagens que permaneceram intocadas nesta versão.
Branca de Neve é assim chamada Liliana (a jovem Monica Keena, de “Freedy X Jason”), e seu pai, Lord Hoffman (Sam Neil) casa-se com Claudia sobre quem já pesou a suspeita de práticas de bruxaria –a trama se ambienta no Período das Cruzadas, quando discussões e reflexões acerca do que era misticismo e religião estavam relativamente em voga.
Quando o pai da jovem falece cabe à Claudia e Liliana estabelecerem um consenso entre suas divergências, mas, à medida que a jovem cresce –e afloresce não apenas sua beleza, mas também sua rebeldia e impetuosidade –as diferenças entre ela e sua madrasta adquirem um desequilíbrio ainda maior, e mais perigoso.
Em fuga pela famigerada Floresta Negra, Liliana encontra refúgio em meio aos parias que se escondem na floresta de toda sorte violenta de discriminações alheias: Não, não são os sete anões, mais sim um grupo de lenhadores deformados –entre eles, o jovem Will (Gill Bellows, de “Um Sonho de Liberdade”) que assume a função de interesse romântico na ausência deliberada de um providencial príncipe encantado.
Essa necessidade enfática de afastar-se do caráter lúdico do conto e abraçar um viés realista só encontra alguns percalços prejudiciais no trecho final, quando alguns artifícios do roteiro se mostram bem menos inspirados no momento de seu desfecho do que o eram em seu ponto de partida.

Branca de Neve (ESP)
Transpondo o conto dos Grimm para a Espanha no que parecem ser meados dos anos 1920, o diretor Pablo Berger esbanja ousadia e personalidade ao converter o filme num exemplar com todos os cacoetes e características do cinema mudo –a exemplo do oscarizado, “O Artista”.
Este “Branca de Neve” se passa em Sevilha onde um grande toureiro (Daniel Gimenez Cacho), além de ser atingido por um touro –o que lhe imobiliza o corpo –tem também a esposa falecida durante o parto, restando-lhe assim somente a filha pequena. Como fica bem claro nesse prólogo, esta nova e audaciosa versão é de uma dramaticidade sem fim.
O toureiro, apesar de sua condição, logo irá desposar sua própria enfermeira, Encarna (Maribel Verdú, de “E Sua Mãe Também” e “O Labirinto do Fauno”) –de olho na fortuna do famoso toureiro –o quê a torna madrasta da filha pequena dele, Carmen (que, ao crescer, ganhará as formas da bela Macarena García).
A vida de Carmen será assim se submeter às crueldades de Encarna: Morando na mansão que ela rege depois do falecimento de sua avó, a jovem testemunha o pai ser confinado e esquecido dentro de um quarto enquanto a madrasta estabelece uma violenta relação com o chofer.
Carmen aprende com o pai suas prodigiosas técnicas de tourada, o quê só aumenta o ódio de Encarna por ela que, em algum momento, sugere que o chofer a mate.
Ao fugir disso tudo, Carmen termina perdida (e sem memória) numa floresta onde encontra (desta vez) seis diminutos toureiros, os anões que lhe darão o apelido de Branca de Neve –e aqui cabe, também, uma referência ao cult “Monstros”, de Todd Browning. Eles a protegerão e cuidarão, inclusive, quando se abater sobre ela a trágica maldição da maçã envenenada: Ao contrário das outras versões, Pablo Berger não faz concessões a um final feliz com o surgimento de um príncipe que quebre o feitiço –seu filme se encerra numa angustiante cena de circo de horrores, onde o corpo imóvel e cadavérico de Carmen (ou Branca de Neve) está à disposição de uma interminável fileira de interessados a beijá-la, e nenhum deles sinaliza qualquer possibilidade de vir a desfazer o encanto.
Por mais angustiante e depressivo que seja o desfecho deste “Branca de Neve”, o mais inacreditável é que ele ainda soa ameno e pueril perto de outra versão de mesmo nome, portuguesa, lançada no ano 2000 e dirigida por João César Monteiro: Um filme, dizem, difícil, radical e perturbador.

Branca de Neve e O Caçador
Com o lançamento do irregular, porém, bem-sucedido “A Garota da Capa Vermelha” –que, por sua vez, pega carona na moda de “Crepúsculo” –os estúdios passaram a adotar uma nova tendência: As adaptações de contos de fadas (muitos deles materializados em animações no passado) convertidos em filmes de apelo mais sério e mais infanto-juvenil, não raro, com influência de outros filmes de sucesso.
Dessa forma, surgiu (pouco antes de “Malévola”, com Angelina Jolie) este “Branca de Neve e O Caçador” –realizado pelos estúdios da Universal e não pela Disney –como o nome sugere (e como os desdobramentos tornam explícito), buscando uma quase reinvenção da história clássica.
Até então a adorável filha do rei, Branca de Neve (Kristen Stewart, de “Crepúsculo”, certamente escolhida com interesse na legião de fãs daquela saga) perde seu pai na mesma noite em que tem seu reino tomado pela maquiavélica Ravena (Charlize Theron, numa atuação memorável). Anos mais tarde, feita rainha e com sua beleza intocada graças ao uso constante de magia negra, Ravena recebe a notícia de seu espectral espelho mágico de que não é a mais bela entre as mulheres, honra que cabe agora à Branca de Neve, desde então prisioneira na torre mais alta. Quando tentam matá-la, Branca de Neve escapa e ruma para os confins sombrios da floresta negra, lugar que só um homem destemido e atormentado como o Caçador (Chris Hemsworth, o “Thor” da Marvel Studios) se atreveria a adentrar. Ele vai atrás dela sob um acordo com a Rainha, mas decide aliar-se à Branca de Neve e ajudá-la na épica batalha pelo reino que está por vir.
O escolhido para a direção, o inglês Rupert Sanders, deixa bastante claras suas aspirações cinematográficas: Além dos filmes de sucesso aos quais a escolha do elenco principal remete, seu filme emula, em tom, visual e intenção, do início ao fim, as qualidades épicas de “O Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson –inclusive, era Viggo Mortensen, uma de suas escolhas iniciais para viver o Caçador!
Da trama tão conhecida e difundida pelo desenho de Walt Disney sobrou pouco mais que o esqueleto: Se o Caçador tinha um papel breve e irrisório no conto de fadas, aqui sua presença e importância chegam a suplantar o príncipe encantado (Sam Claffin, de “Jogos Vorazes-Em Chamas”), e os anões –agora oito, ao invés de sete –não são mais que um gracioso reforço nas cenas de combate.
É um filme bonito, cujos valores de produção são bem aplicados e eficientes em torná-lo um espetáculo charmoso, seu grande calcanhar de Aquiles é mesmo sua atriz principal, Kristen Stewart, cuja apatia implícita na interpretação tira um pouco do brilho que a personagem poderia ter. A atriz, inclusive, envolveu-se com o diretor Sanders (que era casado) durante a divulgação do filme, escândalo que comprometeu os planos para a continuação –sugerida no final vagamente aberto –a saída do estúdio foi remover a atriz o diretor (Sanders depois encarregou-se de realizar “Ghost In The Shell-Vigilante do Amanhã”) tentando, um tempo depois, remodelar a produção obtendo como resultado “O Caçador e A Rainha do Gelo” que, como seqüência revelava-se ligeiramente irregular e incoerente.

Espelho, Espelho Meu
Lançado no mesmo ano de “Branca de Neve e O Caçador” –e repetindo o estranho equívoco de filmes extremamente similares lançados no mesmo período –este “Espelho, Espelho Meu”, dirigido por Tarsem Singh Dhandwar (da aventura “Imortais”) tinha por diferencial um tratamento escancarado de comédia.
A angelical Branca de Neve (Lilly Collins, filha do cantor Phil Collins) está em apuros. Nutrida de inveja para com sua beleza, a malvada madrasta (Julia Roberts, aparentemente a razão de ser deste projeto), rainha do castelo desde a morte do pai de Branca de Neve a deseja morta, pagando para isso os serviços de um caçador. Ao invés disso, porém, Branca de Neve vai parar na floresta onde torna-se hóspede de sete anõezinhos.
O diretor elabora um caprichado senso visual, repleto de cor e exuberância para esta versão em comédia do conto imortalizado pelo desenho de Walt Disney, no qual seu principal trunfo parece mesmo ser a escalação da estrela Julia Roberts para o vilanesco e afetado papel de Rainha Má (cujos rompantes de divas parecem fazer alusão involuntária aos chiliques da atriz na vida real), em contraponto a doçura e fragilidade de Lilly Collins. Outro elemento que depõem a favor desse ‘diferencial cômico’ é o príncipe encantado (o vistoso Armie Hammer) cuja suavidade de sua participação, a pouca expressão na trama e a inclusão de uma vergonhosa sub-trama paralela (onde vira um cachorro...) ameaçam transformá-lo num coadjuvante quase obsoleto.
Comédia não é um gênero fácil em torno do qual trabalhar. O humor é um paladar complicado ao qual se ajustar em relação ao que espera o público, e o diretor Dhandwar –notadamente oriundo de produções sombrias (como o suspense “A Cela”) –já não tinha muita desenvoltura nessa área, o quê fica patente aqui na desmesurada confiança que ele deposita não na narrativa, no roteiro ou no elenco, mas no aparato amplo e endinheirado de seu designer de produção –e essa característica, de fato, se revela em todos os seus filmes –terminando por carregar esta versão do conto de fadas em elementos excessivamente cartunescos, tornando o filme um trabalho infantilizado e superficial.

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