segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Ontem, Hoje e Amanhã

Mais do que uma celebração do grande e consagrado diretor Vittorio De Sica (aqui, mais descontraído e bem-humorado que em seus contundentes dramas neo-realistas), e do famoso par Sophia Loren e Marcelo Mastroianni –que interpretam todos os protagonistas –este trabalho ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeira em 1965 celebra a atriz Sophia Loren (por sinal, casada com o produtor Carlo Ponti), seja pela intérprete prodigiosa (e nesse sentido é de uma generosidade admirável, o fato de Mastroianni se prestar a ser sua escada), seja estonteante mulher de beleza e formosura acachapantes.
Como na tradição do cinema cômico realizado na Itália nos anos 1950 e 60, o filme é episódico, composto assim de três média-metragens (sendo o episódio do meio tão curto que quase é um curta-metragem!). A unir seus enredos, além do casal central –que demonstra versatilidade em personagens díspares –há a percepção temporal sugerida por seu título.
O primeiro episódio “Adelina” leva o nome da protagonista encrencada com a justiça por vender cigarros em Nápoles sem autorização: A multa de 28 mil tornou-se um débito judicial de 50 mil devido ao descaso dela e do marido –que tentam burlar a lei para contornar suas conseqüências. Enquanto estiver grávida Adelina está preferencialmente isenta de complicações como a cadeia. Ao contrário do que costuma acontecer, porém, a sucessão de gravidez (ela chega a ter sete filhos ao longo dos anos!) deixa Adelina mais bonita e formosa, seu marido Carmine, por outro lado, vai ficando cada vez mais exausto e combalido.
Dedicado ao “Ontem”, este primeiro conto, ambientado no pós-guerra, é uma grata surpresa ao mostrar De Sica se despindo de comiseração para narrar com lirismo uma circunstância que, sob outro prisma (leia-se, no Movimento Neo-Realista de outrora), seria periclitante.
No segundo episódio, “Anna”, acompanhamos a personagem de Sophia percorrendo Milão a bordo de um rolls royce na companhia de seu perplexo amante Renzo. A despeito da flagrante inaptidão dela para dirigir é ele quem bate o carro numa estrada quando assume o volante. As primeiras desavenças do casal brotam aí, mas revelam-se tão vazias quanto o diálogo amistoso que antes travavam.
Representando o “Hoje”, este episódio passado no tempo atual do filme exala certa displicência no registro fútil que faz dos personagens, embora isso não deixe de depor a favor da própria proposta que parece se construir –uma espécie de Antonioni sucinto temperado de gracejo.
No último episódio, “Mara”, Sophia vive uma garota de programa em Roma que recebe seus clientes no próprio apartamento. O mais assíduo deles, Augusto (Mastroianni) vive às turras com o pai e, mesmo declarando sua paixão à Mara o tempo todo, não consegue deixar suas neuroses do lado de fora da porta. O apartamento vizinho ao de Mara pertence a uma senhora idosa que a repudia constantemente, mas seu neto Umberto (Gianni Ridolfi), um jovem seminarista, teve sua convicção no celibato seriamente abalada desde a aparição da exuberante vizinha.
Entre as visitas sôfregas e titubeantes de Augusto e os ocasionais contatos com um maravilhado Umberto –sendo que os dois freqüentemente atrapalham um ao outro –Mara busca levar a vida com graça e certa dignidade.
Se os episódios anteriores são o “Ontem” e o “Hoje”, este então seria o “Amanhã”, mas de que maneira? Uma possibilidade seria a sugestão de De Sica, na homenagem que pratica neste conto, de que o “cinema do amanhã” seria o de realizadores vanguardistas como Luis Buñuel, que parece ter seu “O Discreto Charme da Burguesia” homenageado aqui, na galhofa ácida e sarcástica do interlúdio sexual que nunca se concretiza, atrapalhado por outras circunstâncias. O filme em si é menos um afastamento do diretor De Sica das orientações dramáticas que o consagraram e mais uma prova de seu talento na capacidade de se mostrar hábil em diferentes gêneros e temas.
Ah, e a cena do striptease de Sophia Loren presente neste último episódio é um dos grandes momentos da carreira da atriz e da própria história do cinema italiano.

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