segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

800 Balas

Notável realizador de obras cultuadas pouco conhecidas do grande público como "O Dia da Besta" e “La Comunidad”, o espanhol Alex de La Iglesias compõem aqui uma homenagem ao faroeste spaghetti e a uma espécie de iniciativa de criação que veio junto com esse sub-gênero nos anos 1960, construindo seu filme em torno de infindáveis referências e reminiscência de um cinema de outrora que por vezes ganham um gosto agridoce em suas menções ao longo da narrativa.
O garotinho Carlos (o jovem Luis Castro) pode ser visto então como um alter-ego do próprio Alex de La Iglesias –alguém que se vê como uma criança deslumbrada perante espantoso mundo de faz de conta. E é Carlos (a despeito do protagonismo indiscutível de Julián) quem vivenciará toda a experiência de descoberta, aprendizado e êxtase proposta aqui pelo diretor.
Consciente de que tem um avô em algum lugar da Espanha –e um tanto carente de uma figura paterna já que seu pai faleceu num enigmático acidente muitos anos atrás –o menino Carlos ludibria sua mãe (Carmem Maura, grande participação) para empreender uma viagem para conhecer Julián (Sancho Gracia), seu avô que está a muitos anos sem encontrá-lo. Carlos descobre assim que Julián é um homem que vive do passado, repetindo num parque temático largado às moscas uma mesma apresentação baseada em filmes antigos de faroeste pelos últimos quinze anos sempre com a mesma trupe de atores e malabaristas.
Entretanto, embora a época das vacas gordas a muito tenha se ido, não há tristeza na rotina de Julián: Ele é cercado de alegria, de entusiasmo e vivacidade –e muito disso provêm dele próprio! –e está sempre pronto e disposto para uma nova festa e uma nova apresentação.
Apesar de um ou outro contratempo em seu primeiro contato (o que inclui o mal resolvido incidente que levou a morte do pai do garoto), o neto é cativado pela atmosfera de ilusão e sonho que cerca a vida e a profissão de seu avô.
Na espontaneidade com que faz deste um filme sobre o processo da descoberta e do amadurecimento, o diretor surpreende, entre outras coisas, por ilustrar muito da liberdade artística com a qual os europeus tratam elementos vistos como tabu no nosso continente, como as cenas de nudez, que aqui incluem uma jovem mulher ao lado do pequeno protagonista.
Certamente uma das obras mais pessoais e sentimentais de sua filmografia –no que tange à identificação de seu próprio fascínio pelo cinema e pela encenação –Alex de La Iglesias enche com saborosa nostalgia esse belo faroeste contemporâneo que é também um drama sobre delicadas descobertas familiares e um exercício gracioso de metalinguagem –coroado pela divertida “participação” de Clint Eastwood ao final.

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