sexta-feira, 16 de março de 2018

Um Dia de Cão

Uma agência bancária. Um grupo de criminosos motivados. Um seqüestro. Com esses elementos paradigmáticos ao gênero policial, o diretor Sidney Lumet concebeu um dos mais raivosos e pertinentes panoramas das ideologias americanas dos anos 1970, pelo prisma de um gênero cinematográfico que ganhava, naquele período, sucessivas reformulações.
É um dia quase bucólico no bairro do Brooklyn, em Nova York, quando um grupo notadamente amador invade uma agência a fim de fazer seus funcionários de reféns. Alguns não têm muita certeza de sua participação no crime –um deles até mesmo desiste logo no início!
Mas, não Sonny (Al Pacino).
Logo, um cerco se forma em torno do lugar e o filme de Lumet deixa bem claro que irá exaurir os nervos do expectador nas tensas horas que se seguirão.
Uma multidão se aglomera do lado de fora da agência sitiada pela polícia e, conforme o tempo vai passando, começam ironicamente a compactuar com as atitudes prosaicas e de ordem proletária dos seqüestradores –o povo amargurado pelos contratempos civis de então se identifica mais com os bandidos do que com a polícia (o massacre da penitenciária de Attica, por exemplo, é até mencionado em dado momento).
À medida que a situação caminha para a necessidade de um desenlace, algumas coisas vão ficando claras para os homens da lei e para o expectador: Sonny é homossexual e sua presença naquele crime é tão somente um meio de obter dinheiro para que possa pagar uma cirurgia de mudança de sexo ao seu parceiro (vivido por Chris Sarandon).
A polícia percebe também outra coisa: Na articulação e na proeminência verbal demonstrada por Sonny desde o começo, eles deixaram de notar aquele que era o integrante mais perigoso do grupo –o calado, frio e potencialmente implacável Sal, vivido por John Cazale (num personagem sombrio completamente diferente dos tipos que ele viveu em “O Poderoso Chefão” e “O Franco Atirador”).
“Um Dia de Cão” segue assim febril, intenso e asfixiante na direção de um desfecho onde o roteiro e a direção de Sidney Lumet contrapõe a expectativa de um final apoteótico com um encerramento abrupto, capaz de deixar o expectador tão desconcertado quanto o protagonista –no processo de humanizar seus personagens, Lumet não deixa de salientar que há um preço muito caro para todas as intransigências do ser humano, inclusive, a de querer ser e ter mais do que se tem e do que se é.
Em sua já clássica estrutura, o filme é quase um teatro filmado –no fulgor insuspeito das atuações, na confinação óbvia de um único cenário durante grande parte da duração –mas, é também extraordinariamente cinematográfico: Tão marcante e essencial é “Um Dia de Cão” para o estilo de filme que abraça que mesmo os sucessos de hoje ocasionalmente lhe são obrigados a pagar certo tributo –e a referência recente mais forte que vem à memória é o início antológico de “Batman-O Cavaleiro das Trevas”, onde o diretor Christopher Nolan (um grande entusiasta dos filmes policias dos anos 1970) dedica os primeiros quinze minutos de seu filme a praticamente reverenciar este trabalho de Lumet.

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