quinta-feira, 12 de julho de 2018

Sedução e Vingança


Quando assistimos a um filme de “rape & revenge” –o típico exploitation de estupro que faziam aos borbotões nos anos 1970 –normalmente não o relacionamos a um diretor prestigiado, mas as características de “Sedução e Vingança”, de Abel Ferrara, não tardam a fazer imenso sentido dentro da postura artística de seu realizador.
A premissa, sobre uma jovem muda que, diante do absurdo insuportável de ter sido estuprada duas vezes no mesmo dia, perde a sanidade e gradativamente volta sua psicopatia contra os homens, é em princípio absurda, mas esse detalhe a aproxima ainda mais da igualmente absurda realidade urbana que sempre ocupou o cerne das reflexões dramáticas do diretor.
Bastante competente no papel, a jovem Zoe Tamerlis, de apenas 17 anos (que depois adotaria o nome artístico de Zoe Lund), mais tarde envolveu-se com drogas o que a levou numa espiral de tragédias que culminou com seu falecimento aos trinta e poucos anos de idade.
A consciência dessa trajetória dramática enfatiza ainda mais os percalços testemunhados de sua personagem, Thana, uma costureira cuja incomunicabilidade a faz anti-social.
E os dois estupros seguidos –mostrados logo no início –só potencializam isso.
O segundo estuprador, um assaltante que invadiu sua casa, ela ainda tem a oportunidade de atacar, matando-o com um ferro de passar na cabeça (!). Na seqüência, o take focada na arma (uma m-45) que o bandido morto deixa cair no chão, dá a deixa para toda a trama que em seguida se construirá: De posse da arma, Thana empreende assim saídas cada vez mais audaciosas noite adentro, nas quais sempre termina alvejando mortalmente os homens que lhe cruzam o caminho.
É o vislumbre de uma justiceira urbana que Ferrara nos proporciona.
Contudo, no cinema de Ferrara as noções de crime e castigo, ação e reação, pecado e punição estão dispostos com uma convicção avassaladora –e sabemos que, na sanha homicida que domina aos poucos a protagonista, haverão mortes perpetradas que estarão muito além da justificativa do abuso; que o diga a insana chacina final, que Ferrara registra na mais sádica das câmeras lentas.

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