Louis Malle sempre mereceu o título de mais
desigual diretor do movimento da Nouvelle Vague Francesa, exemplo disso, seu
filme, “Zazie no Metrô” é um pequeno achado onde as transgressões propostas por
Godard e sua turma adquirem novas facetas diante de um diretor cuja obra buscou
retratar o irretratável, provar o improvável e focalizar o que era marginal
–transgredir em suma, de uma forma muito mais existencial e peculiar.
A garotinha Zazie (Catherine Demongeot) chega
de trem vinda do interior da França à capital Paris; na estação, seu
mal-humorado tio (o sempre sensacional Philippe Noiret) declama os
aborrecimentos de perambular em meio ao povo parisiense.
Sua irmã, a mãe de Zazie (de brevíssima
aparição nessa cena) está apaixonada, e por conta disso, deixa a menina aos
cuidados do tio. Desbocada, tudo o que importa à Zazie é conhecer o metrô de
Paris, contudo, o lugar está em greve, o que acirra os nervos da menina.
Se a descrição da premissa do filme atende a
uma simplicidade atroz, a direção de Malle confere uma natureza insólita à
narrativa: “Zazie No Metrô” pulsa de inconformismo no tratamento inquieto que
seu diretor dá a cada cena, adulterando a velocidade da câmera, acrescentando
detalhes inesperados à encenação, tornando o acompanhamento do filme uma
experiência de oscilação entre seu humor e sua galhardia.
A trama a envolver sua pequena protagonista
constroi-se a partir de gags visuais imediatamente graciosas e posteriormente
ferinas. Por meio delas, Zazie logo escapa do apartamento do tio –definido com
excentricidade como a todos os personagens –e ganha as ruas, não sem antes
despistar o senhorio implicante que lhe queria longe, mas paradoxalmente não
lhe largava do pé.
Ainda indignada com o fechamento do metrô,
Zazie encontra um cavalheiro que lhe acompanha em andanças desordenadas pela
cidade, ora compactuando com suas travessuras, ora sendo vítima de suas
traquinagens –e, a todo o instante, a direção de Malle evoca um humor físico
que flerta ao mesmo tempo com o pastelão e o surrealismo.
Outras aventuras de Zazie incluem uma visita à
Torre Eiffel, com seu tio –durante a qual fica em evidência a pluralidade
turística que impede a apreciação do lugar por aquilo que ele é –e uma
subsequente confusão, quando Zazie perde-se dele, e anda para lá e para cá por
Paris, sempre às voltas com personagens perdidos, desorientados e estranhos.
Uma procisão de figuras que orgulharia Federico
Fellini no auge de seus devaneios circenses.
Adaptação livre, irrequieta e anárquica do
livro de Raymond Queneau, o filme de Louis Malle, embora fiel à premissa básica
que norteia a trama, não se abstém de transfigurar a linguagem literária em um
delírio narrativo que alberga música, imagens aceleradas, cortes
desconcertantes e atuaçõres excêntricas.
Na ambiguidade de suas
intenções esboçadas por meio da galhofa caótica que contamina o filme cada vez
mais conforme ele avança, Louis Malle faz alusão à sua própria protagonista,
uma criança desobediente, ávida por ver sua vontade realizada (ver o metrô),
indiferente à quaisquer confusões que os adultos à sua volta promovam –Zazie
acaba sendo, pois, um eufemismo da postura imprecisa e despreocupada de Louis
Malle em relação aos seus colegas da novelle vague, para quem o engajamento ao
movimento era de uma relevância que não raro os ofuscava. Como sua pequena
personagem principal, Malle atravessou as mudanças de seu tempo –os anos 1960
–preocupado com a solidez artística e o apuro qualitativo de suas obras, e um
tanto indiferente à sua própria presença em questões ideológicas; é
significativo então que na única cena do filme em que finalmente está no metrô,
a pequena Zazie se acha dormindo (!): Malle não quis, nem nunca foi reconhecido
por seus pares (Godard, Truffaut) como um dos grandes nomes da novelle vague
francesa, embora tenha produzido obras que hoje retratam aquele momento e
aquela intenção com mais exatidão e entendimento que os pretensos adultos que a
encabeçaram.
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