Como todo realizador dedicado a um objeto pelo
qual nutre genuína paixão, a desenvoltura narrativa do diretor Luc Besson
evoluiu exponencialmente a cada filme que ele realizou –e não existem
justificativas técnicas para isso que superem a lógica observada em seu visível
fascínio por esse tipo de cinema; uma mescla entre entretenimento vívido,
comprometido com a satisfação sensorial do público, e um leque inesperadamente
amplo de referências incomuns que agregavam uma aura de estranheza à mistura; e
que iam de influências visuais dos quadrinhos europeus até inclinações
artísticas que forneciam peso dramático incomum a tramas por vezes definidas
por certo absurdo.
Essa descrição se aplica a quase todo o cinema
de Luc Besson, mas certamente se estende também a algumas obras de Jean Jacques
Beineix e Leos Carax, entre outros.
“Nikita” representa assim um ápice estético
para essa fase inicial e ainda rudimentar do cinema de Besson em particular –e
do cinema francês em geral –uma obra pulsante em sua singularidade, que abraça
seu pendor deliberadamente comercial da mesma maneira com que assumia muitas
das suas imperfeições.
A heroína de “Nikita” é Josephine (Anne
Parillaud, de físico e atitude adequados ao papel) que, das ruas parisienses
onde vive a cometer arruaças com seus amigos, vai para as instalações
disciplinadas e rígidas de um centro de treinamento depois que é presa pela
polícia.
Como é inerente a Besson, a realidade crua dá
lugar –com alguma lógica a pontuar essa transposição –à fantasia sonhada e
escapista de um garoto de 12 anos: Após ser treinada, preparada e aperfeiçoada,
Josephine vira uma espécie de agente secreto (!), e suas missões consistem de
matar pessoas instruídas por seu supervisor, o paternalista Bob (Tchéky Karyo,
de “A Revolta do Amor”, de Zulawski). Nas horas vagas, Josephine finge que não
é nada disso –numa postura que remete àquelas identidades secretas de
super-heróis –e até arruma um namoradinho.
Com o tempo, a dicotomia entre a crueldade
exigida em suas missões e a simulada vida normal logo cria um dilema em Josephine,
que almeja abandonar seu ofício de matadora.
Entretanto, será exatamente essa a sua
complicação.
Essa demonstração veemente e convicta de
técnica não passou despercebida de Hollywood que equivocadamente tratou de
refilmar “Nikita” no presunçoso e genérico “A Assassina”, estrelado pela
gatinha Bridget Fonda e ainda por cima dirigido pelo normalmente burocrático
John Badham –os produtores não compreenderam que não era o filme (ou seu
roteiro, ou sua premissa) necessariamente o fator que conferia preciosidade à
“Nikita”, mas o seu diretor: A técnica de Besson com a qual ele moldava uma
percepção ímpar entre a periferia que servia de cenário às cenas mirabolantes
de ação, o revestimento artístico que lhe provinha estilo e diferenciação e a
empatia genuína e incomum ocasionada por uma noção instintiva de dramaturgia.
O fracasso de “A Assassina”
serviu de lição: Besson logo foi importado para os EUA, onde teve, nos anos
1990, a oportunidade de agraciar o cinema norte-americano com alguns belíssimos
exemplares como o magistral “O Profissional” e o lindamente pulsante “O Quinto
Elemento”.
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