terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Nikita

Como todo realizador dedicado a um objeto pelo qual nutre genuína paixão, a desenvoltura narrativa do diretor Luc Besson evoluiu exponencialmente a cada filme que ele realizou –e não existem justificativas técnicas para isso que superem a lógica observada em seu visível fascínio por esse tipo de cinema; uma mescla entre entretenimento vívido, comprometido com a satisfação sensorial do público, e um leque inesperadamente amplo de referências incomuns que agregavam uma aura de estranheza à mistura; e que iam de influências visuais dos quadrinhos europeus até inclinações artísticas que forneciam peso dramático incomum a tramas por vezes definidas por certo absurdo.
Essa descrição se aplica a quase todo o cinema de Luc Besson, mas certamente se estende também a algumas obras de Jean Jacques Beineix e Leos Carax, entre outros.
“Nikita” representa assim um ápice estético para essa fase inicial e ainda rudimentar do cinema de Besson em particular –e do cinema francês em geral –uma obra pulsante em sua singularidade, que abraça seu pendor deliberadamente comercial da mesma maneira com que assumia muitas das suas imperfeições.
A heroína de “Nikita” é Josephine (Anne Parillaud, de físico e atitude adequados ao papel) que, das ruas parisienses onde vive a cometer arruaças com seus amigos, vai para as instalações disciplinadas e rígidas de um centro de treinamento depois que é presa pela polícia.
Como é inerente a Besson, a realidade crua dá lugar –com alguma lógica a pontuar essa transposição –à fantasia sonhada e escapista de um garoto de 12 anos: Após ser treinada, preparada e aperfeiçoada, Josephine vira uma espécie de agente secreto (!), e suas missões consistem de matar pessoas instruídas por seu supervisor, o paternalista Bob (Tchéky Karyo, de “A Revolta do Amor”, de Zulawski). Nas horas vagas, Josephine finge que não é nada disso –numa postura que remete àquelas identidades secretas de super-heróis –e até arruma um namoradinho.
Com o tempo, a dicotomia entre a crueldade exigida em suas missões e a simulada vida normal logo cria um dilema em Josephine, que almeja abandonar seu ofício de matadora.
Entretanto, será exatamente essa a sua complicação.
Essa demonstração veemente e convicta de técnica não passou despercebida de Hollywood que equivocadamente tratou de refilmar “Nikita” no presunçoso e genérico “A Assassina”, estrelado pela gatinha Bridget Fonda e ainda por cima dirigido pelo normalmente burocrático John Badham –os produtores não compreenderam que não era o filme (ou seu roteiro, ou sua premissa) necessariamente o fator que conferia preciosidade à “Nikita”, mas o seu diretor: A técnica de Besson com a qual ele moldava uma percepção ímpar entre a periferia que servia de cenário às cenas mirabolantes de ação, o revestimento artístico que lhe provinha estilo e diferenciação e a empatia genuína e incomum ocasionada por uma noção instintiva de dramaturgia.
O fracasso de “A Assassina” serviu de lição: Besson logo foi importado para os EUA, onde teve, nos anos 1990, a oportunidade de agraciar o cinema norte-americano com alguns belíssimos exemplares como o magistral “O Profissional” e o lindamente pulsante “O Quinto Elemento”.

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