Como roteirista, Alex Garland já era
conceituado –havia feito o script de “Extermínio” e outras obras de Danny Boyle
–entretanto, a história é outra quando escritores se aventuram a contar uma
história na função de diretores; tarefa que abrange muito mais do que o manejo
competente das palavras.
Havia um rumor (anos depois confirmado) de que
havia sido Garland o diretor de fato da ótima aventura de ficção científica
“Dredd” –produção na qual ele é creditado somente como roteirista –portanto, as
chances de provar seu talento chegaram mesmo com “Ex-Machina”.
E ele o faz com louvor.
Sua narrativa acompanha, em princípio, o jovem
Caleb (Doomhal Gleeson), programador de computadores tipicamente solitário e
introvertido que, nas cenas que abrem o filme, surge parabenizado por seus
colegas: Caleb conquistou uma disputada vaga de visitante na longínqua
propriedade de seu milionário empregador, o recluso e genial Nathan (Oscar
Isaac).
Lá chegando –uma mansão hightech estranhamente
situada num fim de mundo –Caleb percebe a apatia e a impaciência para com
relações interpessoais que Nathan se força em disfarçar sem maiores sucessos.
Com efeito, ele quer Caleb lá por uma razão mais
prática que a mera visitação.
Próximo da revolucionária criação do primeiro
indivíduo com inteligência artificial, ele espera que Caleb realize para ele um
Teste de Turing –um bateria de perguntas através das quais um ser humano (o
entrevistador) descobre a natureza artificial de um computador (o
entrevistado).
A diferença e ineditismo da situação é que
Caleb sabe que Ava (Alicia Vikander, possivelmente a protagonista real do
filme) é uma máquina; o primor na execução dela –e sobre muitos aspectos, a sua
manutenção enquanto ser funcional e intacto –reside na chance dela convencer
Caleb, em algum nível existencial, de que ela tem sentimentos e impressões de
um ser humano.
Ao longo das sessões –que integram o filme como
seus episódios –Ava vai revelando a Caleb informações que modificam a dinâmica
da relação que ele mantém com ela e com Nathan. E tudo caminha para um desfecho
imprevisto.
Herdeiro de pensadores maiores como Ray
Bradbury ou Isaac Asimov acerca dos desdobramentos do futurismo em geral, e da
criação da vida artificial pela mão imperfeita do homem em particular, Alex
Garland usa da premissa básica deste notável conto sobre definições pessoais
para mergulhar o expectador em uma miríade de reflexões que deixariam Stanley
Kubrick orgulhoso: Ava revela-se um ser pensante e de percepções
auto-suficientes a despeito de sua natureza tecnológica –e parte do fato
consumado de ser vivo é tentar lutar pela própria vida; daí que, diante da
conclusão de que pode ser descartada pelo instável Nathan em qualquer lapso de
insatisfação, ela planeje então sua fuga. E em Caleb, ela enxerga os meios
ideais para tal intento.
Há uma ironia no fato algo filosófico de ser o
indivíduo mecânico, o mais humanizado dos três protagonistas: Caleb é tão
introspectivo que quase desaparece em cena, enquanto que Nathan chafurda a
própria genialidade em vícios que o tornam indiferente a tudo; é bastante
interessante observar esses dois talentosos atores interpretando personagens
inversamente distintos daqueles que eles mesmos vivem na nova trilogia “Star
Wars”.
Resta ao fim, Ava, na atuação brilhantemente
composta por Alicia Vikander –ela ganhou, no mesmo ano, o Oscar de Melhor Atriz
Coadjuvante por “A Garota Dinamarquesa”, mas provavelmente merecia muito mais
por este trabalho aqui.
Sem problema: “Ex-Machina”
ao menos, saiu da cerimônia com o Oscar de Melhores Efeitos Visuais debaixo do
braço, derrotando com sua sutileza inesperada e desconcertante, pesos-pesados
como “Mad Max-Estrada da Fúria” e o próprio “Star Wars-O Despertar da Força”.
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