quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Procura Insaciável

Milos Forman era um expoente do Movimento do Novo Cinema Tcheco quando teve, neste projeto, a oportunidade de filmar nos EUA –até porque, em sua Tchecoslováquia natal, as circunstâncias políticas estavam complicadas (para não dizer perigosas) para artistas de pensamento livre.
Com um co-produção que tinha inclusive o nome do francês Claude Berry (diretor de “Jean de Florette“ e “A Vingança de Manon”) envolvido, Formam estreou nos EUA fazendo um retrato de gerações despido de amarras formais e convencionais, o que pode ser visto como uma amostra notável e voluntariosa de seu estilo de direção.
“Procura Insaciável” até possui uma trama, esboçada com gracejo e traquinagem em meio às cenas de atmosfera quase documental que Formam registra com um apuro incomum de autenticidade; todos os atores dos jovens aos mais adultos interpretam com surpreendente naturalismo em frente à câmera.
É uma espécie de audição musical conduzida por hippies a cena em que o filme parece se iniciar. Paralelamente a essa cena –e intercalada a ela por toda sorte de artifícios e ideias casuais de edição –vemos os perplexos e trapalhões pais de uma adolescente descobrindo tardiamente que a filha deu uma escapadela de casa. A menina, compreendemos por meio da livre associação, está entre os hippies metidos à cantores.
Em seu pensamento evidentemente liberal –e amplificado em seu senso crítico pelo período da Nova Hollywood, pelo fantasma de Jean-Luc Godard (que a direção de Formam parece evocar em diversos momentos) e por um carinho bastante pessoal pela contracultura –o diretor se mostra incorrigivelmente contestador no retrato cômico que pinta dos pais.
A primeira cena do pai da garota (Buck Henry, de “Essa Pequena É Uma Parada” e “Short Cuts-Cenas da Vida”) é uma sessão de hipnotismo onde ele busca tentar parar de fumar. Ao lado da mãe (Lynn Carlin), ele é aquele tipo de adulto que costuma não notar o óbvio –dessa dinâmica, Formam extrai um humor muito peculiar, longe, no entanto, do vergonhoso.
A jovem, Jeannie Tyne (Linnea Heacock), até reaparece para de novo fugir tão logo as inevitáveis recriminações começam; e para piorar, seu pai, obtuso e desastrado, aparece completamente bêbado.
O filme de Milos Formam é, pois, uma busca ocasionada de um humor quase agridoce. Um olhar certamente condescendente com os jovens alternativos da época, e gracioso para com as tentativas patetas de seus pais em entender o que se passa –em dado momento, o pai e a mãe de Jeannie juntam-se a uma ridícula Associação de Pais de Filhos Perdidos, que nada mais fazem senão reunir-se com pomba e circunstância para avaliar a inutilidade de seus métodos –numa cena, um advogado aconselha (e põe em prática) os pais a fumar baseado a fim de compreender a mentalidade de seus filhos, a geração que o consome. A orientação técnica e didática de um usuário (Vincent  Schiavelli, ator de vários filmes de Formam interpretando com seu próprio nome) é tão cercada de seriedade que se torna hilária.
“Procura Insaciável” é uma obra de narrativa quase solta em seus propósitos e realização, um panorama até empático sobre duas gerações (dos pais e dos filhos) que, cada qual ao seu modo tiveram (ou não) que assimilar as mais contundentes mudanças comportamentais testemunhadas no Século XX e um experimento artístico revelador da compreensão de Milos Forman sobre a mecânica do cinema, não obstante seu resultado enquanto obra de consumo beirando o inacessível. Depois dele, Formam entregaria uma formidável sucessão de grandes trabalhos, inclusive os oscarizados “Um Estranho No Ninho” e “Amadeus”.
Reparem numa brevíssima ponta de Kathy Bates, muito antes da fama e do Oscar por “Louca Obsessão”, como uma das cantoras presentes nas audições.

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