Dentre todos os diretores norte-americanos,
aquele que mais logrou o objetivo de realizar um painel, um afresco acerca dos
micro-cosmos que abordava, sempre foi Robert Altman.
Oriundo do teatro, de onde tirou muitos dos
artifícios que pôs em prática em sua carreira cinematográfica, ele era adepto
de elencos numerosos, e de um clima de improviso constante no set: Não à toa,
isso atraia grandes nomes para seus filmes.
Por uma série de razões, “Short Cuts” é um de
seus trabalhos mais memoráveis, em meio a tantas obras essenciais como “O
Jogador”, “Nashville”, “O Perigoso Adeus” e “Assassinato em Gosford Park”.
Aqui, Altman mergulha na adaptação de vários
contos de Raymond Chandler, descobrindo no processo o quando esse escritor
(cronista nato da angústia corriqueira da sociedade americana) é tão similar a
ele.
São cerca de vinte e dois contos, mesclados uns
aos outros, até o ponto de parecerem indivisíveis. Juntos formam um painel de
três horas de duração das idiossincrasias ocultas nas entranhas de personagens
vingativos, cruéis, perversos até, mas que se travestem de pessoas
absolutamente normais.
Não é fácil para o frustrado Jerry (Chris Penn)
acompanhar a rotina de sua esposa Lois (Jennifer Jason Leight) que, ao mesmo
tempo em que cuida da casa e dos filhos, divide-se no serviço de atendente de
sexo por telefone a fim de completar a renda mensal. Uma raiva reprimida cresce
dentro dele. Assim como também cresce em seu amigo, Bill (Robert Downey Jr.)
que busca extravasar a própria crueldade fazendo maquiagens de agressão violenta
e sanguinária na própria mulher, a passiva Honey (Lily Taylor).
Já, a dona de casa Ann (Andie MacDowel)
experimenta aborrecimentos inesperados na forma de inconvenientes ligações do
padeiro Andy (Lyle Lovett) enquanto tem de lidar com uma tragédia inominável,
ao mesmo tempo em que seu pai reaparece (Jack Lemmon); diretamente envolvida
nisso, a frustrada garçonete Doreen (Lily Tomlin) tenta dar a volta por cima
numa happy hour com o marido Earl (Tom Waits); e por falar em happy hour, a
tensão pode comprometer a descontração na festa planejada por Marian (Julianne
Moore) e Ralph (Matthew Modine) ao lado dos amigos Claire (Anne Archer) e
Stuart (Fred Ward), quando uma inesperada discussão de relação se inicia, tudo
por conta da tensão sexual resultante do fato de ela pintar quadros com a
própria –e exuberante –irmã nua (Madeleine Stowe) em frente ao marido (!).
Alheios a tudo isso, os amigos pescadores Vern
(Huey Lewis) e Gordon (Buck Henry), junto do próprio Stuart, não permitem que
nem a descoberta de um cadáver interfira em sua pescaria de fim de semana.
Por outro lado, Stormy (Peter Gallagher)
planeja transformar a vida de Betty (Frances McDormand) sua iminente ex-esposa,
em um inferno.
Um apanhado espetacular de
histórias intrinsecamente conectadas (através de seu tom, de sua proposta, de
pequenos detalhes e de múltiplas co-relações que se podem ser estabelecidas)
onde a sondagem oferecida fornece um notável e raro panorama para interiores
psicológicos imensamente intrigantes: Essa sempre foi uma das grandes
qualidades de Robert Altman, montar uma encenação na qual sentimentos como o
rancor, a rejeição, a aflição e até mesmo a fúria em sua expressão mais
palatável, se revelam impulsos astutos para os pequenos desenlaces dos dramas
humanos.
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