sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O Ano do Dragão

A raiva é a força motriz que impulsiona os atos de muitos dos personagens de Michael Cimino. 
É a raiva que dá motivação aos tratados que norteiam toda a trama de “O Portal do Paraíso”, e é, sobretudo, a raiva que provoca o ímpeto para que o personagem de Robert De Niro, seguido pelos demais, consiga escapar de seus captores vietcongues em “O Franco Atirador”. 
Dentre todos eles, o mais emblemático para a própria postura que Cimino assume como realizador (especialmente no fim dos anos 1970 e começo dos anos 1980, sua época mais prolífica) é o personagem de Mickey Rourke em “O Ano do Dragão”. Sua raiva é o que o define, é o que o conduz. Ela o levará a colidir com toda a máfia de Chinatown e seu esquema de distribuição de heroína. Ela é o seu cerne. 
Engana-se, porém, aquele que tiver o pensamento simplista de que é uma raiva que ele nutre contra o personagem de John Lone, o chefão por trás desse esquema. Ele é, sim, seu nêmesis, mas isso é um detalhe, afinal, esse papel seria exercido por qualquer um que ocupasse essa posição. A raiva do tira interpretado por Mickey Rourke é, na visão niilista, estilizada e persistente de Cimino, uma herança que ele carrega consigo desde antes de ser, primeiramente, um policial: Ela vem de suas experiências no Vietnam. 
E aí, estamos num terreno que parece familiar à Cimino novamente, as mazelas, muito mais espirituais do que físicas, que assolam o subconsciente norte-americano, sem as quais eles não possuem sua identidade, mas que ao mesmo tempo lhes desumaniza. 
Em “O Portal do Paraíso”, as vastas paisagens, plenas de liberdade, do oeste bravio passam despercebidas dos homens enferruscados, ocupados demais com sua richa, e sua obsessão em colonizar as terras ainda não desbravadas à custa de sangue e pólvora, num gesto que moldará a América. 
Em “O Franco Atirador”, essa mesma América redescobre a si mesma, numa geração que apesar dos ideais e da conscientização política, buscou justiça no Vietnam, para lá só encontrar traumas profundos que forçou-os a rever os conceitos de família. 
E em “O Ano do Dragão”, esse mesmo assunto do Vietnam, ao que parece ainda não resolvido por Cimino, retorna como a definitiva maldição de um policial americano (não só ele é veterano da guerra, mas, num acaso carregado de simbolismo, a própria origem da droga que movimenta toda a indústria ilegal que ele quer confrontar vem do Vietnam). 

Está aí, portanto, no próprio Michael Cimino, uma característica que define bem o quê é um autor: O contador de histórias indomado e habilidoso, que exorciza seus maiores demônios através de sua arte, e no processo, entrega grandes e memoráveis trabalhos.

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