sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Aves de Rapina ou Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa

Esquadrão Suicida”, apesar da gorda bilheteria e de um absurdo Oscar de Melhor Maquiagem, carrega a pecha de ser a mais sofrível produção dentro do Universo Cinematográfico da DC Comics, que ainda assim realizou muitas obras irregulares.
Dele, é quase unanimidade que se salva a caracterização pulsante e irrequieta da belíssima Margot Robbie como a Arlequina, namorada do vilão Coringa e que incorpora praticamente uma versão dele de saias.
Assim, a Warner Studios, disposta a afastar-se dos elementos que deram errado e trilhar um caminho focado nos elementos que deram certo, bancou este novo filme que agora coloca a Arlequina sob a mira de todos os holofotes na esperança de que ela brilhe tanto quando o fez no filme anterior –e, com isso carregue todo um filme nas costas.
Aproveitando esse ensejo, esta espécie de ‘derivado’ –pois é tão deliberadamente distanciado temática e narrativamente de “Esquadrão Suicida” que sequer pode ser chamado de ‘continuação’ –começa, portanto, com Arlequina já separada do Coringa. A explicação é fornecida num prólogo animado que contorna muito bem as dúvidas e dilemas acerca de como mostrá-lo (ou não mostrá-lo) no filme.
Irritada ao constatar o fato de que toda a fama e bajulação que usufruía vinha de seu namoro com o vilão –e de que, sendo assim, sua própria periculosidade, e seu próprio gênio criminoso nada contavam –Arlequina resolve dar um basta e dedicar-se a uma espécie de emancipação.
É quanto entram em cena as outras personagens do filme e que, ao seu jeito, representam as peças do quebra-cabeça (ao lado de sua irreprimível protagonista) daquilo que sua diretora deseja contar: Conhecida por dirigir a pérola independente “Dead Pigs”, Cathy Chan assume as rédeas da produção não apenas superando com larga margem o trabalho de coordenar a ação, divertir com a história e entreter com o resultado final entregue por David Yates em “Esquadrão Suicida”, como também realiza aqui, na ênfase exultante de suas personagens e na elaboração moral e circunstancial de suas trajetórias, o que pode ser entendido quase como um manifesto feminista.
Temos, então, a Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell, ótima) que trabalha resignada como cantora de boate e motorista de um chefão do crime tentando inibir, na maioria das vezes, sua compaixão e solidariedade pelos indefesos. Há também Renee Motoya (a veterana Rosie Perez), a policial inteligente e perspicaz cujas inteligência e perspicácia, dentro da polícia de Gothan City, só serviram para beneficiar mais os homens que parasitaram seu trabalho do que ela própria; a misteriosa Caçadora (a sensacional Mary Elizabeth Winstead) que, por razões a serem esclarecidas mais tarde (num esperto jogo de informações executado pelo roteiro) está fazendo uma verdadeira chacina em membros bastante específicos da máfia de Gothan; e, por fim, a garotinha Cassandra Cain (Ella Jay Basco), adolescente de mãos ligeiras e ladra de carteiras que, ao afanar o item errado, coloca em seu encalço toda sorte de gansgters de Gothan –além de Arlequina e toda essa trupe mencionada acima!
O roteiro de “Aves de Rapina” é extraordinariamente travesso e inconformista: Refletindo a personalidade instável e alegremente esquizofrênica da Arlequina (que narra o próprio filme e quebra seguidamente a quarta parede a exemplo de “Deadpool”), as situações, construídas com inspiração por si só, se seguem num rompimento constante da linearidade como se fossem lembranças que se atropelam fora de ordem, numa narração que as embaralha para dar um aroma de reviravolta à algumas revelações.
Nele, nenhum personagem masculino chega ao final isento de falhas de caráter e de causar, de alguma maneira, mal às protagonistas.
O resultado é um filme ebuliente e colorido, assumidamente ‘girl-power’ e ocasionalmente maniqueísta, estrelado por uma personagem tão carismática e arrebatadora quanto a atriz que a interpreta, e que, junto com “Mulher Maravilha”, “Aquaman” e “Shazam!” restabelece muito da promessa de qualidade no que podem ser feito dos personagens da DC Comics daqui para frente.
O único problema é que, tão focado em sua própria estrela ele é (e Margot Robbie está realmente brilhante!) que o filme acaba negligenciando as suas outras personagens, todas igualmente ótimas (e igualmente interpretadas por atrizes fenomenais) que não ganham, porém, tanto espaço assim –se há alguém que consegue o milagre de se sobressair tão bem quanto Margot Robbie esse alguém é Ewan McGregor, dando exaltação e personalidade ao Máscara Negra, vilão da vez do filme, e personagem notadamente genérico nos quadrinhos a quem o ator consegue conferir graça e senso de ameça genuínos, tirando leite de pedra.

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