sexta-feira, 26 de junho de 2020

Expresso Transiberiano

Talvez a maior surpresa de “Expresso Transiberiano” seja o fato de que, embora ostente em seu elenco os consagrados Woody Harrelson e Ben Kingsley, sua protagonista de fato seja mesmo a não muito conhecida Emily Mortimer, atriz de ampla experiência (esteve em “A Sombra e A Escuridão”, “Harry Brown”, “O Idiota do Meu Irmão”, “Um Lugar Chamado NottingHill”, “Ilha do Medo” e “A Invenção de Hugo Cabret”), mas longe de conseguir reunir predicados que a façam uma estrela.
E, se esse é o dado mais surpreendente num suspense que tem por objetivo surpreender a todo o momento o expectador, já detectamos aí a primeira das muitas falhas no trabalho do diretor Brad Anderson.
Começamos com o personagem de Ben Kingsley, um investigador russo do departamento de narcóticos investigando a cena de uma queima de arquivo. Imediatamente, ele percebe que lá estão faltando as drogas e a soma em dinheiro que justificou as mortes, e então decide partir em uma viagem com objetivos suspeitos.
Corta então para o casal Roy e Jessie (Woody Harrelson e Emily Mortimer) em Pequim, na China, fazendo um trabalho voluntário que proporcionou-lhes ao mesmo tempo uma viagem a outros recôncavos do mundo e o sabor de aventura ao estagnado casamento.
Em regresso para os EUA, eles decidem tomar o tal ‘expresso transiberiano’ –Roy é particularmente fascinado por trens –cuja rota parte da China através da Mongolia e passa pela Sibéria até a Europa atravessando a Rússia. Eles dividem o vagão-leito com outro casal viajante, o espanhol e expansivo Carlos (Eduardo Noriega, de “Preso Na Escuridão” e “A Espinha do Diabo”) e a americana Abby (Kate Mara, de “Perdido Em Marte” e “127 Horas”).
Há um elemento suspeito no casal que não passa despercebido de Jessie a medida que os dois vão ganhando mais a proximidade (e a intimidade) dela e de Roy ao longo da viagem.
Numa parada de estação, Roy parece perder o trem, obrigando Jessie a esperá-lo na estação seguinte –naquele fim de mundo, o atraso dos trens envolve um dia inteiro –na companhia de Carlos e Abby.
Enredada pelas propostas aparentemente casuais de Carlos, Jessie o acompanha numa viagem de ônibus até um vila imersa na neve. Lá ele tenta consumar o flerte que vinha fazendo, mas Jessie o rejeita e, diante do assédio forçado dele, ela acaba o matando (!).
Mas, e quando ao personagem de Ben Kingsley do começo do filme? Para onde foi? Que relação tem com todo o resto? É preciso esperar, porque de fato leva um tempo desgraçado para essas duas partes do filme enfim se juntarem.
Toda abalada por ter inadvertidamente cometido um assassinato, Jessie reencontra Roy na estação e tomam o trem com ela disposta a esquecer de tudo e deixar Abby (que ficou na estação) para trás.
Eis, contudo, o pulo do gato: Roy fez amizade, nesse meio tempo, com o detetive Grinko (justamente o personagem de Kingsley!) que não tarda a notar os pontos nebulosos nos relatos estranhamente evasivos da esposa do norte-americano. Grinko diz a eles estar atrás de um casal de traficantes de drogas –certamente, Carlos e Abby –que teriam escondido seu carregamento de drogas em algum material para despistar a polícia –os bibelôs que ele trazia às dezenas em sua mala e que, numa oportunidade ladina, Carlos colocou na mala de Jessie antes de sua morte.
Este é, portanto, o paradeiro das drogas mencionadas na cena de crime do começo.
Com o carregamento de drogas em mãos, Jessie tem muito o que esconder e –além de perceber isso –Grinko tem interesse nelas e no dinheiro que Carlos supostamente trazia consigo, um interesse que vai bem além de seu mero dever policial; algo perceptível no conluio violento que ele estabelece com o perigoso Kolzak (Thomas Kretschmann) junto do qual pode deixar completamente a camaradagem de lado para extrair a verdade de Jessie e de Roy de formas bem mais contundentes.
É possível acompanhar os desdobramentos da trama sem ofender-se em demasia com as conveniências do roteiro graças à condução –cuja direção de fotografia, valorizando as belas paisagens da Sibéria, e o traquejo nervoso dos movimentos de câmera, responde pelo quesito mais bem aproveitado da produção –e ao trabalho competente de todo elenco em geral.

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