quarta-feira, 15 de julho de 2020

Crocodilo Dundee

O cinema australiano vinha de um período ebuliente onde muitos reflexos do experimentalismo acabaram migrando para sua vertente comercial: O resultado dessa curiosa miscelânea estética foram obras que desafiavam padrões quando conferidas por expectadores do resto do mundo, mas que, em sua Austrália originária representavam a base do que era realizado: Suas obras de suspense tinham uma inventividade que hoje é mais relacionada ao cinema sul-coreano; suas comédias eram embriagadas de um despudor malicioso; seus dramas tinham peculiaridades com as quais os norte-americanos não sabiam lidar; e seus filmes de ação possuíam uma audácia e um desprendimento que hoje não apenas são inacreditáveis como também seriam impraticáveis.
Ficando dentro da perspectiva do circuito inteiramente comercial, duas foram as realizações que colocaram a Austrália no panorama cinematográfico mundial: O pós-apocalíptico “Mad Max” e a comédia “Crocodilo Dundee”.
Dirigido por Peter Faiman, “Crocodilo Dundee” traz para sua premissa inicialmente simples, uma porção inesperada de galhofa e ironia, para então flertar com gêneros imprevistos como drama e romance, agregando uma seriedade que intriga o expectador –e então voltar a ser comédia.
Interpretando o personagem-título, o ator e co-roteirista Paul Hogan viu-se tornar uma estrela ao redor do mundo quando o sucesso do matuto que visita a cidade grande ultrapassou as fronteiras convencionais do público australiano.
O filme aparenta seguir um caminho confortável de alguma aventura com muito de comédia romântica: Nele, a jornalista Sue Charleton (Linda Kozlowski) vai para o outback australiano fazer uma matéria sobre o notório Mike ‘Crocodilo’ Dundee (Hogan) cuja  história, de como ele matou com as próprias mãos um crocodilo, ganhou ares lendários na região (e gerando, inclusive, seu apelido), fazendo dele uma mescla de Tarzan e do aventureiro verídico Rod Ansell no clamor popular.
Com ares cômicos, o filme de Peter Faiman vale-se da característica desigual das produções australianas justamente para desconstruir essa ideia previamente estabelecida sobre o protagonista, usando Sue como os olhos do plateia: Não são raras as piadas que giram em torno do que se presume que Dundee seja em comparação àquilo que ele realmente é.
Desde seu primeiro encontro, fica claro para Sue que, embora seja um tipo realmente curioso e interessante, muito do que se falava de Dundee –e de seus feitos sobrehumanos –era puro exagero; e seguidamente, ele e os personagens coadjuvantes à sua volta refazem impressões acerca do que se acredita dele ou de seu modo de vida.
Esse humor à base de ironia é acrescido de elementos românticos quando Sue e Dundee se sentem atraídos –e essa dinâmica mal começa a ser explorada e a trama já transfere o casal protagonista para um cenário inversamente oposto: A cidade grande.
Arrastado por Sue –e pelo jornal que deseja fazer dele o protagonista de uma manchete de apelo popular –Dundee concorda em conhecer a metrópole (no caso, a própria Nova York!) e o filme, já adentrando sua segunda metade, finalmente começa a mostrar o protagonista às voltas com as inesperadas e desafiadoras circunstâncias urbanas –o choque cultural que, seja no humor, seja  no drama, parece despertar um interesse todo particular em muitos realizadores australianos.
É curiosa a forma com que “Crocodilo Dundee” consegue divertir subvertendo aquilo que promete ao público: A ideia da viagem do caipira Dundee para a cidade grande e os contrastes ora constrangedores, ora graciosos dessa situação já eram previstos deste o início do filme; no entanto, ele toma um tempo considerável para, antes disso, enriquecer o contexto de seu protagonista e a relação que ele estabelece com a mocinha. Assim como também, ao enveredar pelo óbvio romance entre seu casal principal, o filme subverte uma vez mais as expectativas quando, ao invés de acentuar sua comédia com soluções convencionais, recorre nesse entrecho final a uma imprevista carga de drama; o divertido e rústico matuto é, afinal, um ser humano, com um coração que, deveras, pode ser partido.
Essa seriedade melancólica que predomina nos vinte minutos finais, entretanto, não toma o filme por completo: “Crocodilo Dundee” termina num arremate de comédia romântica que muito se imaginou que ele seria, não para ceder às convenções, mas para se encerrar naquela que é, de longe, sua cena mais hilariante.

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