O largamente saboroso roteiro concebido por
Steve Kloves (diretor de “Susie & Os Baker Boys” e roteirista da maioria
dos filmes de “Harry Potter”), adaptado do livro de Michael Chambon, acompanha
três dias na vida do meio professor, meio escritor Graddy Tripp interpretado
por Michael Douglas.
Como é um professor, Tripp fala de seus alunos e suas histórias –como o
desajustado e potencialmente genial James Leer (Tobey Maguire, antes de virar o
“Homem-Aranha” pelas mãos de Sam Raimi); ou a sedutora Hannah Green (Katie
Holmes, antes de virar a Sra. Tom Cruise e dele divorciar-se), jovem a um passo
de virar seu flerte.
E, como também é escritor, Tripp narra o
próprio filme que protagoniza ora em tom de comédia, ora em tom de drama –por
vezes diante do dilema, um tanto batido mas aqui muito prazeroso e envolvente,
de ter sido um escritor de sucesso às voltas com o fato de ser incapaz, no
presente, de recriar as obras-primas que todos esperam dele .
Saído da batuta então em estado de graça do
diretor Curtis Hanson (seu projeto anterior havia sido o aclamadíssimo “Los Angeles-Cidade Proibida”), “Garotos Incríveis” não tem uma trama que possa ser
esboçada numa sólida sinopse propriamente dita: Com desembaraço e talento sem
igual, ele acompanha uma sucessão de incidentes que têm como elemento fixo o
protagonismo de Tripp e que, de um jeito ou de outro, representam algum abalo
ressonante em sua vida pessoal, sejam as divertidas enrascadas que vão se
somando graças à sua imprevista amizade com
James –como quando tentam ocultar o cadáver de um cachorro que fulminaram sem
querer (!), perdem um casaco que pertenceu à Marilyn Monroe (!!) ou quando se
deparam com o irreprimível e espalhafatoso editor de Tripp, Terry Crabtree (o
sempre fantástico Robert Downey Jr.) –sejam os contratempos acarretados pela
notícia da gravidez de Sara Gaskell (Frances McDormand), a mulher que ele ama (casada
com o chefe de seu departamento!) e que espera um filho seu, mas cujo
compromisso leva o imaturo Tripp a ter de confrontar-se com todo o narcisismo,
a inconsequência e o comodismo que sua condição de astro literário possibilitou
cultivar.
Personagem suculento e tão cheio de camadas e
elementos a serem refletidos quando o Lester Burnham de “Beleza Americana”
–outro grande filme sobre crise de meia-idade a sair por aqueles tempos –Tripp,
em alguns momentos, parece espelhar o próprio Michael Douglas, na tremenda
adequação que se percebe entre ator e personagem: Um festejado galã nos anos
1980 (além de filho da lenda Kirk Douglas), Michael Douglas, ao lado de
personalidades como Al Pacino, Clint Eastwood e outros, adentrou a década de
2000, sob a sombra da ingrata necessidade de reinventar-se com a chegada
evidente e irreversível da idade.
Demonstrando o mesmo bom gosto que sempre norteou
sua postura e escolha de projetos a mantê-lo em relevância na ribalta, Douglas
compreendeu intimamente e sem amarguras o ônus e o bônus da passagem do tempo,
e imprime essas espirituosas considerações na inspirada interpretação que
entrega aqui –e tão luminosa ela é que certamente foi uma das grandes
injustiças da Academia não ter-lhe indicado ao Oscar de Melhor Ator naquele
ano.
Graças a ele, ao
maravilhoso elenco coadjuvante que o cerca e ao trabalho empolgante de Curtis
Hanson, “Garotos Incríveis” é um filme desprovido de embates explosivos, de
decibéis elevados e confrontos acalorados, em vez disso, é algo tocante e
engraçado, feito de pura e simples maestria.
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