A realização de Steve Sodenbergh é um ponto de
virada tanto na carreira de Matthew McConaughey quanto na de Channing Tatum,
sobretudo, para este último: Em sua aparência superficial, “Magic Mike” pode
até parecer com as bobagens que alavancaram a carreira de Tatum entre o público
feminino, como o romance brega-dançante “Se Ela Dança, Eu Danço”, no entanto, a
direção de Sodenbergh garante muito mais profundidade ao resultado, jogando luz
sobre o bom ator que, quando quer, ele consegue ser.
Inicialmente dois personagens parecem
representar as duas facetas de uma mesma moeda junto ao plot: São Mike (Tatum)
e Adam (Alex Pettyfer, de “Eu Sou O Número Quatro”).
Mike é o astro de um clube de strip-tease para
mulheres (profissão que Channing Tatum realmente tinha antes de virar ator, o
que talvez explique a desenvoltura quase sobrehumana que ele demonstra em
cena), no qual Adam, sob incentivo dele, passa a trabalhar também.
Mike é o veterano. Adam é o novato.
É pelos olhos de Adam que vemos esse novo mundo
se descortinar à nossa frente, mas, logo ele é deixado de lado em prol de Mike
que se impõe como o protagonista de fato à medida que a narrativa progride.
Os demais strippers do grupo são Ritchie ‘Bem
Dotado’ (Joe Manganiello), Ken (Matt Bomer, de “Dois Caras Legais” e “Sete Homens e Um Destino”), Tito (Adam Rodriguez) e Tarzan (Kevin Nash, de “John Wick”).
Todos trabalham num show erótico promovido por
Dallas (McConaughey, fantástico), um misto paternal de entusiasta e gerenciador
–mas, também, como veremos à frente, impiedoso no que tange ao tino
empresarial.
É notável a maneira com que Sodenbergh trabalha
a incontornável exposição dos atores à nudez nas cenas de performance
(executadas com toda exuberância que a teatralidade exige), construindo uma
narrativa de propósitos e predisposições voltados para a história e não para um
presumido erotismo: “Magic Mike” não é, deveras, um filme sobre homens nus em
um palco!
Ele é, sim, sobre seu protagonista Mike, e
sobre como os vícios de seu universo podem atingir mesmo aqueles teoricamente
blindados contra eles.
Dentre todos os personagens a orbitar o astro
solar e reluzente que é Dallas, o grande destaque da casa, Mike, policia-se a
fim de estabelecer um meta para si: Aos 30 anos, ele não está ficando mais
jovem; sabe que a garantia de seu vasto ganha-pão atual é fugaz, e deseja
poupar para empreender. Nas fissuras ocasionais de suas atividades diurnas
–mostradas em paralelo à agitação embriagante da noite e à amizade junto de
Adam –se percebe o olhar carregado do drama humano, independente e austero que
Sodenbergh lança às considerações tão norte-americanas, ao conceito do ‘way of
life’, da ‘terra das oportunidades’.
Um futuro sólido, de estabilidade econômica, é
um sonho frequentemente inatingível para todos, ao contrário, do que outras
obras americanas, quase sempre voltadas para a ênfase do sucesso, insistem em
reafirmar.
E Mike, articulado, boa-praça, genuinamente
bem-intencionado e esperançoso, haverá de descobrir não só os revezes
discriminatórios que servirão de obstáculos ao seu caminho, mas também
encontrará a acidez convicta do próprio
diretor Sodenbergh que, munido do roteiro circunspecto e espirituoso de Reid
Carolin, haverá de fazê-lo sofrer cada etapa de sua derrocada com compartilhada
euforia dramática: Da companheira de cama pela qual nutria um sentimento que
começava a adquirir afeto (Olivia Munn), ao próprio âmbito profissional, onde
prevalecia como estrela, mas começa a declinar em função das sabotagens
impessoais de Dallas e da ascensão de Adam (nuances que “Magic Mike” toma
emprestado de narrativas clássicas como “A Malvada”, “Memórias de Uma Gueixa” e
–pasmem –“Showgirls”!), o filme de Sodenbergh empenha-se, primeiro, em
construir com brilho, minimalismo e êxtase o seu contexto para então submeter
seu protagonista às provações árduas de sua desilusão.
Para tanto, em meio à sinergia desconcertante
produzida pelas apresentações sistemáticas, insinuantes e pra lá de erotizadas
de seu vigoroso e viril elenco masculino, Sodenbergh usa de seu talento para
sublinhar as relações humanas de fato: A amizade com ares de mentoria entre
Mike e Adam; a camaradagem, composta pelos mais variados improvisos,
desenvolvida pelos strippers no camarim; a influência revitalizadora, mas
corruptível de Dallas à todos ao seu redor e, sobretudo, a aproximação tensa,
lenta, pontuada de conceitos e preconceitos entre Mike e a irmã de Adam, Brooke
(Cody Horn, de “Twelve-Vidas Sem Rumo”), que vê nesse ofício e na vida
presumidamente desregrada deles uma antítese da normalidade que anseia para si.
Ainda assim, ela e Mike identificam-se em suas próprias esperanças, e na
compreensão de que precisam entender para serem entendidos.
“Magic Mike” é assim, um
desafio ao próprio preconceito do expectador: Ameaça ser vulgar, pecaminoso e
cheio de fantasias femininas, mas se revela profundo, melancólico e
recompensador.
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