Este filme de Olivier Assayas chamou a atenção
de público e crítica ao conquistar, em 2014, o prêmio César de Melhor Atriz
Coadjuvante para Kristen Stewart, pela primeira vez concedido a uma atriz
norte-americana; por isso mesmo, foi um dos grandes responsáveis por ajudar sua
carreira a se desvencilhar da sombra pejorativa da “Saga Crepúsculo”, fazendo o
público voltar a enxergá-la como uma boa e promissora atriz.
No entanto, não é Kristen (embora o pareça em
inúmeros momentos) o cerne de “Acimas das Nuvens”: É a protagonista complexa,
vulnerável e cheia de camadas interpretada pela linda e formidável Juliette
Binoche, encantadora do alto de seus 50 anos.
Maria Enders é uma já veterana estrela de
cinema; Valentine (Kristen) é sua leal assistente, dedicada desde o início do
filme à atravessar o pântano lamacento do excesso de compromissos a serem
agendados, a perseguição nem sempre lisonjeira da mídia e as batalhas de ego
ocasionais da vida de uma celebridade. Valentine é também, pelo tempo decorrido
de já trabalharem juntas, uma grande amiga, a despeito da diferença de idade.
É Valentine quem mais ajuda Maria a superar a
notícia do falecimento do escritor Wilhelm Melchoir, um amigo íntimo e quase um
caso amoroso de seu início de carreira. Ele é também autor de uma célebre peça
teatral, “Maloja Snake”, cuja adaptação cinematográfica foi a grande
responsável para consolidar o estrelato de Maria.
Agora, todavia, em função do falecimento, ganha
as manchetes de jornais a notícia de que uma nova montagem da mesma peça
chegará aos palcos –e a trama de “Maloja Snake” é a seguinte: Num competitivo
âmbito profissional, duas mulheres, Sigrid e Helena (a primeira, jovem,
calculista e ávida; e segunda, calejada, presunçosa e maternal) se defrontam
numa guerra de personalidades (não desprovida de alguma atração velada) que
resulta na ascensão de Sigrid (outrora a personagem que Maria interpretou) e na
derrocada de Helena.
O diretor dessa nova peça (Lars Eidinger)
almeja, passados vintes anos, que agora Maria interprete Helena, numa espécie
de fechamento de um ciclo. O papel de Sigrid foi ocupado por uma jovem e
conturbada atriz norte-americana (Chloe Grace Moretz), presença constante em
tabloides de escândalos.
Inicialmente relutante, Maria aceita participar
da peça –porque deseja, de alguma forma, honrar o autor falecido, porque
Valentine enxerga na peça todo um sentido cíclico que ela não deseja ver, e
porque sabe que, lá no fundo, o subtexto da peça traz alguns demônios que ela
precisa encarar (sem muita certeza se irá superá-los).
Hospedada na bela casa de campo onde Melchior
escreveu “Maloja Snake” –na qual, em meio às paisagens montanhosas, se pode
perceber o fenômeno climático denominado “Serpente de Maloja” que dá nome à
peça –Maria se dedica à encenar e reencenar o texto com Valentine, desta vez
não mais no papel de Sigrid (que Maria compreende à perfeição), mas no de
Helena (no qual ela identifica as fragilidades da escrita e se ressente pelos
rumos ingratos reservados à personagem e, em última instância, a si própria).
Em algum momento desses ensaios aparentemente
banais, as personalidades de Maria e Valentine se confundem com as de Helena e
Sigrid –o embate geracional de opiniões e sentimentos; a relação de mágoas e
posturas profissionais, a proximidade que leva a interesses que escapam à
esfera profissional.
No brilhante cinema de
contornos intimistas que realiza –amparado no talento de duas atrizes
espetaculares –Assayas faz reverência e referência, sobretudo, às inquietações
muito habituais ao cinema de Ingmar Bergman, em especial, seu incisivo
“Persona”, também ele um mergulho sem ressalvas nas disfunções de psicologia na
mente de duas mulheres.
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